EDITORIAL DA REVISTA ALÉM MAR
Excelente Editorial da Revista Além Mar, vale a pena ler:
Por um comércio mais justoHá que reformular as regras do comércio mundial.
Só assim haverá uma distribuição mais justa da riqueza.
JOSÉ VIEIRA
Espera-se que mais de dez milhões de pessoas tomem parte nas diversas actividades da Semana de Acção Global, que decorre em setenta países de 10 a 16 de Abril. A ideia surgiu em 2003 durante a Conferência Internacional de Campanhas de Comércio para que ricos e pobres partilhem dos benefícios do comércio global.A campanha assenta em dois pontos igualmente importantes: dizer «não à imposição aos pobres dos acordos comerciais injustos, da liberalização indiscriminada e da privatização generalizada»; e dizer «sim ao direito de todos à alimentação, a uma fonte de receita, à água, à saúde e à educação».
Vai fazê-lo através de acções várias. Sublinho três: uma celebração religiosa no dia 10 – promovida pelo Conselho Mundial das Igrejas –, uma jornada de jejum em memória dos 850 milhões que passam fome (dia 11) e manifestações de rua (15 e 16).A Semana de Acção Global é uma chamada de atenção para as regras que regem o comércio internacional. Instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM) têm defendido que a solução para a pobreza, que afecta um quarto da população do planeta, passa pela liberalização da economia dos países pobres.
Ou seja, pela abertura dos mercados, suspensão de ajudas à indústria e agricultura, remoção das barreiras alfandegárias e privatização de serviços.Os países pobres, em troca de ajudas económicas e da redução da dívida externa, são obrigados a adoptar a receira neoliberal. Através de cortes nos apoios à produção e ao comércio, da privatização de serviços essenciais como o abastecimento de água, saúde ou a educação.
Era suposto que estas medidas gerassem mais riqueza e, consequentemente, reduzissem a pobreza. O que se passa, de facto, é que abrem novos mercados para os produtores ricos e empobrecem ainda mais os pobres. Vejamos o caso das Honduras. No início dos anos 90 os agricultores hondurenhos produziam cerca de 50 mil toneladas de arroz por ano. Entretanto, o FMI e o BM obrigaram o Governo a suspender a política de controlo do preço do arroz . Dez anos depois, a produção caiu para as sete mil toneladas.
Os produtores hondurenhos não têm recursos para competir com os preços altamente subsidiados do arroz americano. O mesmo se passa com a produção de açúcar, de algodão, de cereais e de gado na União Europeia e nos Estados Unidos.O combate contra a pobreza – que mata diariamente cerca de 30 mil crianças e mantém na miséria mais 250 milhões, das quais 8,4 milhões presas nas malhas da escravatura e da prostituição infantil – passa pela reforma das regras do comércio internacional. Este, para ser justo, não pode privilegiar os parceiros ricos e tem que permitir aos pobres medidas de excepção que os ajudem a quebrar o círculo vicioso da miséria e da fome. Isto para que os produtos dos países em desenvolvimento tenham hipótese de competir no mercado internacional. Cabe à opinião pública pressionar os decisores políticos e económicos para que reformulem as regras do comércio mundial.
Só assim poderá haver uma distribuição mais justa da riqueza gerada através das trocas comerciais.
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