segunda-feira, junho 27

ARTIGO NO JORNAL O DESAFIO

Artigo publicado, no Jornal Desafio, no passado dia 24 de Junho, em parceria com Lurdes Gomes.

NO ANO DA EUCARISTIA


FICA CONNOSCO SENHOR!



Uma das comunicações mais felizes de João Paulo II, é a sua citação do Evangelho de Lucas “Fica connosco Senhor, pois a noite vai caindo” (Lc. 24,29), na introdução à sua Carta Apostólica sobre o ano da Eucaristia. Esta perícopa duma beleza notável inicia aquela carta e traduz com sapiência o Partir do Pão e o Projecto de Solidariedade de Jesus.

Lucas o escritor deste evangelho não foi apóstolo de Jesus, mas discípulo dos apóstolos, e o seu evangelho, datado do ano 70 da nossa era, traduz uma compilação de outros evangelhos, fontes orais e da Quella, é assim pertencente à segunda geração cristã. O evangelho de Lucas é conhecido como o Evangelho de Maria, e é característico que João Paulo II fosse iniciar a sua carta, precisamente com este livro. Daí que se compreende que o também Evangelho do Espírito Santo, escrito pelo companheiro de Paulo de Tarso, autor deste evangelho, seja escolhido por aquele Papa.

Quando foi escrita a frase do evangelho, estávamos na fase da Ressurreição, e por isso mesmo ela é bela e trespassa o nosso ser, deixa-nos como extasiados perante a acutilância do pedido “Fica connosco Senhor” e remata “pois a noite vai caindo”.

O epicentro da vida cristã passa pelo sacramento eucarístico, pelo partir do pão e dá-lo, numa gratuitidade plena, sendo que o dar significa o “projecto da solidariedade” em favor “da humanidade”, numa promoção da “comunhão, de paz, de solidariedade, em todas as circunstâncias da vida”.

Hoje o significado do “Fica connosco Senhor, pois a noite vai caindo”, é duma actualidade flagrante, e vivida na missa com as companheiras e companheiros, que querem seguir para que a ressurreição se torne visível na humanidade.

A palavra “missa”, que quer dizer despedida, (missa=missio=dimissio), não é a Eucaristia, e pode parecer estranho que se designe por despedida, um acto que o não é, porque a fraternidade não tem espaço, nem tempo. Mas por isso mesmo é que a Fracção do Pão ou Ceia do Senhor, como era conhecida antes do século IV da nossa era, toma o nome, no ocidente, de missa, para significar não um fim (“ite, missa est”), mas o caminho da missão, porque “a noite vai caindo”.

Na Eucaristia Jesus, o Senhor, entra em nós, abraça-nos e conduz-nos, fica connosco, mesmo na “noite mais fria, em tempos de solidão”, para parafrasear o poeta. E aqui está toda a frontalidade, qual espada aguçada, a chamar os cristãos, ao envio, a ir e a ser, como Jesus nos ensina, na oração mais rica da nossa vida de militantes cristãos o “Pai/ Mãe Nosso”, já agora para referir o eminente teólogo do Vaticano II, Kongar.

O fundamental neste Ano da Eucaristia seria ser e ir, ser porque Jesus fica connosco, e ir, porque na humanidade, no nosso País, na Foz do Douro, está de “noite”; ora esta noite precisa de testemunhos vivos, que comendo do pão e bebendo do vinho, recebem Jesus Ressuscitado (dantes dizia-se “eu quero tomar o Senhor”), o pão é partido, para que todos sejamos “um só coração e uma só alma” (Actos 4,32), e é partido para ser partilhado com todos, que se reconhecerão pelos “frutos”. Estes “frutos”, são colhidos na humanidade que espera que os cristãos não se resignem aos sofás de suas casas, num solipsismo atroz, de quem nada vai fazer à Eucaristia porque de facto Jesus não está com ele. Nas palavras de Paulo “comeu e bebeu (recebeu a Cristo) para sua condenação”, isto é, para não puder, aqui e agora viver o Reino dos Céus, e isso é uma auto condenação.

Quando Jesus fica connosco na noite, mesmo na mais dura, estamos no princípio do projecto da missão, para “partir imediatamente” (Lc 24,33), tal qual o povo judeu fez na “sua Páscoa”, quando, não fugiu, mas libertou-se do cativeiro do povo opressor.

O binómio pão e vinho, significam, o primeiro, o alimento necessário, e o segundo a alegria e a festa; são o leite e o mel utilizados na liturgia dos primeiros séculos, o leite como sendo o cuidado e a responsabilidade pela conservação da vida, e o mel os valores, o amor à vida, a alegria e a felicidade.

O mistério eucarístico é assim uma continuidade que se recebe e se leva, a concretização da missão, dos caminhantes sem morada certa, sem bolsa, nem alforge, mas com Jesus, o Senhor, nas mais variadas missões que cada um de nós tem; o espírito, esse que procede do Pai e do Filho, permanece em nós e caminha ao nosso lado.

O mistério eucarístico pode sofrer de um fenómeno de erosão, se não enfrentar as realidades do tempo presente, isto é, se for mecanicamente rotineiro e banalizado, e isto só se dará, se as cristãs e os cristãos não souberem pedir ao Senhor, “Fica connosco” e depois não tiverem uma práxis fazedora de uma outra terra, a Terra Prometida, que aí está, tão presente como para os judeus do êxodo, mas que teimamos em não querer construir, como co – responsáveis, por esta Criação que ainda não passou do primeiro dia.

Comer o pão e beber do vinho, significa estar em Jesus, e com Jesus, é um dar-se ao poder do Espírito Santo, daí que não é uma magia, mas uma actuação em cada um de nós.

Saberemos viver assim, e tomados pelo Senhor caminhar na “noite da vida”, tornando-a Luz? Eis o desafio deste Ano da Eucaristia, proclamado por João Paulo II.

Lurdes Gomes e Joaquim Armindo

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