sexta-feira, maio 6

MAIS UM NÚMERO DA EXCELENTE REVISTA ALÉM MAR


Mais um número da Além Mar, dos Missionários Combonianos, de Maio, e como sempre muito bem concebida.

Dentro dos excelentos artigos, aqui, com a devida vénia, deixo um, sobre o encerramento de rádios no Brasil, por lutarem contra as injustiças.

A rádio contra as injustiças
Aos 83 anos, Alfredo Bellini embarcou numa nova aventura: a criação de uma rádio em Balsas, no Sul do Estado brasileiro do Maranhão. Porquê? Explica o missionário comboniano, veterano de muitas outras lutas em prol dos direitos dos mais pobres: «Os pequenos produtores e a população estão sendo expulsos de suas terras para a implantação de grandes projectos de monocultura. Foi para denunciar essa realidade que criámos a Boa Notícia.»
PAULO LIMA, Jornalista

Balsas, no Sul do Estado do Maranhão, tem uma área de 12.564 quilómetros quadrados e uma população de mais de 60 mil habitantes, muitos vindos de outros Estados do Nordeste e do Sul do país. Nos últimos anos, vem-se tornando a melhor opção de investimento no sector agrícola do país e uma das melhores do mundo. A colheita de 2003 movimentou, do plantio até a comercialização, recursos da ordem dos 700 milhões de dólares. O cultivo de soja é a grande locomotiva que puxa a economia de Balsas à velocidade de 8,5 por cento ao ano de taxa de crescimento.Acontece que os pequenos produtores e a população pobre estão a ficar de fora desse comboio a que chamam «progresso». «Aliás, estão sendo expulsos de suas terras para a implantação de grandes projectos de monocultura, como a da soja», diz o padre missionário Alfredo Bellini, de 83 anos, há 13 na região. «Foi para denunciar essa realidade que criámos a rádio Boa Notícia», explica o comboniano italiano, que trabalhou dez anos em Moçambique no período da luta pela independência.
O padre Alfredo chegou ao Brasil em 1976. «Trabalhei em Vitória e aprendi muito com o bispo de então, Dom Luís Fernandes, que incentivava muito o nascimento das comunidades eclesiais de base e a prática de uma Igreja libertadora», lembra. Dez anos depois, o padre Bellini transferiu-se para São Luís do Maranhão, onde viveu durante oito anos. Foi lá que começou o seu interesse pelos meios de comunicação social. Ficou entusiasmado com a experiência da rádio da arquidiocese, a Educadora, que, durante e logo depois do final do regime militar, ajudou as comunidades rurais e da periferia a lutarem pela democracia e a defender os valores do Evangelho.
Em Balsas, o padre Alfredo e sua equipa, formada por profissionais de comunicação e voluntários, tenta fazer a mesma coisa: ajudar a população do interior da diocese, guiada por outro missionário comboniano, o bispo Franco Masserdotti, a receber formação religiosa, mas também a «abrir os olhos e a conhecer as verdadeiras causas das injustiças sociais da região».
Inaugurada oficialmente em Setembro de 2004, a Rádio Boa Notícia tem uma programação variada, e é ouvida não só na região de Balsas. «Temos conhecimento de que a rádio atinge até cidades da Bahia e do Pará», diz o padre Alfredo.
Formar e consciencializar
?O que o levou a criar a Boa Notícia
Quando eu trabalhava em São Luís do Maranhão, vi que a rádio da arquidiocese de lá, a Educadora, tinha ajudado muito a população a fazer valer os seus direitos junto dos poderes públicos. Estávamos saindo da ditadura militar e todo o Estado do Maranhão era praticamente dominado por famílias poderosas, como a do ex-governador do Estado e ex-presidente José Sarney. A rádio Educadora era e continua sendo muito bem organizada, com uma equipa de profissionais muito bem preparados e uma boa audiência. Em 1992, quando cheguei a Balsas para trabalhar na formação dos leigos, percebemos que era preciso também criar um meio de comunicação que ajudasse as comunidades na formação e também na consciencialização. Era preciso trabalhar também as questões sociais e políticas com os leigos e com a população em geral. Não bastavam os cursos de formação que dávamos. Na época contámos com o apoio do bispo Dom Rino Carlesi.
Surgiram dificuldades?
Foram muitas. A gente notou que os governos anteriores não queriam dar a concessão de uma rádio a uma Igreja comprometida com os pobres, que denunciava as mazelas e as injustiças. Os governantes só davam autorização aos amigos. No tempo do ex-presidente Sarney, por exemplo, essa política virou até moeda de troca. Para conseguir aumentar o seu mandato e obter o apoio dos deputados e senadores no Congresso, concedeu várias concessões de rádio e TV em troca de votos.
Os anos foram passando e levantaram um monte de problemas, mas a gente fez tudo o que eles pediram. No entanto, não deram a autorização. Com o governo Lula, a coisa mudou. Estive em Brasília pessoalmente para seguir o nosso processo, até que conseguimos e no final de Setembro inaugurámos a rádio.
Qual foi a participação da comunidade?
Desde o início, há nove anos, tentámos envolver as comunidades. Mas tivemos muitas dificuldades, porque os missionários acostumaram a população a receber tudo de mão beijada, sem muitos esforços. Foi difícil e, então, recorri a benfeitores italianos para a primeira fase, quando produzíamos programas religiosos e os veiculávamos numa rádio local, a Rio Balsas. Essa fase durou quatro anos. Porém, o dono da rádio de vez em quando não os colocava no ar, alegando que eram «ideológicos». Por isso, decidimos criar a nossa própria rádio.
Mas com que dinheiro?
Mais uma vez recorri à Itália. Desta vez a uma organização não-governamental, a Gao, que já tinha ajudado outras organizações a montarem uma rádio com as mesmas finalidades educativas. Através dessa ONG conseguimos um financiamento do governo italiano. Eles financiam 50 por cento da montagem dos aparelhos e 50 por cento das despesas de manutenção durante três anos. Agora, estamos trabalhando para que as comunidades locais também ajudem com ofertas.
Que tipo de programação a rádio oferece aos ouvintes?
É preciso ter presente a finalidade da rádio, que é promover uma evangelização que tem em conta a promoção e a formação humana integral. A nossa programação não se restringe a temas religiosos, mas empenha-se em ajudar os ouvintes a entender as causas dos problemas que enfrentam. Ajuda a compreender quais são as causas de tanta miséria. Queremos auxiliar as populações do sertão, que não têm outros meios de comunicação, a abrir os olhos e, também, a discutir soluções para os seus problemas. Por meio de entrevistas, músicas, debates e notícias da cidade, do Estado, do Brasil e do mundo, falamos um pouco de tudo, desde assuntos ligados à catequese e à defesa dos direitos do cidadão a dicas de como preparar um remédio caseiro e de como reivindicar melhorias na educação.
As pastorais sociais também têm espaço na programação?
Têm, sim. Só que muitas vezes é preciso incentivar muito para que possam intervir e usar a rádio para divulgar as suas campanhas e ajudar o povo a mobilizar-se e a organizar-se. A nossa região está sofrendo muito com o avanço da monocultura da soja. São grandes projectos que estão sendo desenvolvidos aqui, mas que só beneficiam as multinacionais ou as empresas nacionais. Nunca o povo. Nunca os pequenos produtores. Nunca os sem-terra.
Muitos lavradores estão sendo despejados de suas terras. Até há pouco tempo eram agredidos por uma milícia armada formada pelos próprios fazendeiros, e as autoridades, sabendo de tudo isso, não faziam nada.
Além da rádio, também recorrem a outros meios de comunicação?
Também estamos a investir na televisão. Com o apoio de Dom Franco Masserdotti, montámos uma retransmissora da Rede Vida, a emissora católica com cobertura a nível nacional, e conseguimos transmitir alguns programas produzidos aqui mesmo em Balsas.
O vosso trabalho é alvo de críticas?
Os poderes públicos locais são contra, sentem-se agredidos por nós. Mas não é agressão nenhuma. Na verdade, são eles que agridem o povo com as suas políticas de opressão. Eles percebem que a rádio tem um poder muito grande de consciencialização do povo, e estão com medo. Uma vez por outra a gente ouve comentar que a rádio não está fazendo «bem ao povo, ao país».
Como avalia a política para os meios de comunicação do governo Lula?
O presidente Lula encontrou o que os outros semearam: ou seja, um cenário espantoso em que a economia, a política e os grandes meios de comunicação estão nas mãos de poucas famílias.
Como costuma dizer Frei Betto, temos de fazer como quando a gente tem feijão duro – para cozinhá-lo, é preciso usar a panela de pressão. Não só no Brasil, mas também na Europa, as coisas só mudam com pressão popular.
De que forma as comunidades participam na rádio?
Estamos oferecendo cursos de formação para comunicadores populares, para que os líderes comunitários possam participar: já montámos 15 centros de formação; e a própria ONG italiana nos pediu que o fizéssemos. Claro, estamos ainda no começo de uma caminhada nada fácil. Face à situação de sujeição e opressão em que as autoridades impuseram ao povo, é difícil conseguir organizar rapidamente as pessoas para que se exprimam, usem a rádio como instrumento de libertação. Estamos caminhando com o povo, mas trata-se de uma caminhada lenta.
Quatro mil rádios fechadas em 2004
Durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, representantes das rádios comunitárias queixaram-se de que estavam a ser perseguidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal. Em 2004, foram fechadas mais de quatro mil emissoras – praticamente o dobro das que foram encerradas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Essas rádios serviam associações de moradores, projectos sociais e movimentos sociais. Resultado: mais de 10 mil pessoas foram processadas. Regra geral, o encerramento faz-se de uma forma «musculada»: dezenas de polícias armados de fuzis e metralhadoras invadem casas, estúdios, constrangendo e humilhando crianças e adultos. Os responsáveis consideram que «a repressão se faz por motivos políticos e não por razões técnicas ou legais», e que «não há liberdade de expressão no Brasil».

[01-05-2005 11:53:23] [Gente solidária] [9514 caracteres] [Grátis] [ PAULO LIMA, Jornalista ]
Custo da Além Mar 1,20 €, 60 páginas

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