sexta-feira, fevereiro 2

EIS A POSIÇÃO DA IGREJA LUSITANA (COMUNHÃO ANGLICANA)




A TODOS OS MEMBROS DA IGREJA LUSITANA

Prezadas(os) Irmãs(os),

Paz no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ao sermos convocados para um novo referendo, a 11 de Fevereiro próximo, sobre a despenalização do aborto até às 10 semanas, a Comissão Permanente da Igreja Lusitana Católica Apostólica vem colocar à consideração dos membros da Igreja alguns pontos, possibilitando-lhes a reflexão serena e fundada na perspectiva bíblica da fé para que dessa forma exercitem a sua responsabilidade de cidadania votando no mesmo referendo.

1. Não existe uma posição oficial da Igreja Lusitana sobre o aborto, como sobre outras matérias de natureza ética. Na nossa Igreja, como em outras da influência da Reforma do século XVI, não se pratica o magistério moral a que se deva submeter a consciência dos fiéis. Antes, como Igreja da Comunhão Anglicana – com princípios assentes na Sagrada Escritura, na Tradição e na Razão – somos encorajados a exercitar a nossa responsabilidade individual perante Deus, pensando por nós próprios as grandes questões de cada tempo à luz da fé cristã, enformada pelo Evangelho de Jesus Cristo, e no diálogo com os outros membros da comunidade. Sabemos que entre nós há diferentes opiniões sobre estes assuntos, porém, manda a caridade cristã que nos aceitemos e respeitemos preservando a unidade em Cristo e vivendo a máxima que nos tem guiado: unidade na certeza, liberdade na dúvida, caridade em tudo.

2. De acordo com a lei penal em vigor no nosso País, o aborto é lícito (a) no caso de malformação do feto – podendo ser realizado nas primeiras 16 semanas de gestação; (b) no caso de perigo de morte ou de grave e irreversível lesão física ou psíquica para a mulher grávida – podendo ser efectuado nas primeiras 12 semanas de gravidez; (c) no caso de gravidez resultante de violação da mulher – devendo ser feita nas primeiras 12 semanas de gestação. O que está agora em causa e que vai ser objecto do referendo é a possibilidade da mulher grávida poder pedir o aborto até às 10 semanas, de acordo com a sua consciência, procurando-se, assim, acabar com os abortos clandestinos.

3. Para quem crê em Deus Criador – autor e fundamento de tudo – toda a vida humana, incluindo a que se desenvolve no seio materno, é dada por Deus e, em consequência, deve ser alimentada, sustentada e protegida. Assim, por princípio, o feto tem o direito de viver e desenvolver-se como parte integrante da família humana. Ainda, a convicção do acto criador de Deus leva a considerá-Lo o Senhor de toda a vida, incluindo a humana, o que rejeita a ideia do direito das mulheres sobre o seu próprio corpo, ou de que o direito a viver pertence a quem quer que seja, mesmo à mãe. Portanto, um aborto – interrupção voluntária de uma gravidez – é sempre um acto moral grave, excepcional, que exige reflexão profunda e deve ser encarado no contexto da fé alimentada pela Palavra de Deus e alicerçada na oração. Este é o princípio da opção pela vida que devemos respeitar, assumir e proclamar.

4. Mas, com Jesus aprendemos que Deus, além de criador, é também pai amoroso e misericordioso. O Salmista, recordando um momento de aflição de que se viu livre, exclama: "tu és o Deus que me ama!" (Salmo 59,18). Este é o sentimento de todos os que já viveram a presença inefável da paternidade amorosa de Deus. O Apóstolo S. João reafirma esta perspectiva da fé ao recordar-nos que "o amor vem de Deus", e continuando, "aquele que não ama, não conhece a Deus, uma vez que Deus é amor" (I Jo 4, 7-8). Ora, é sobre o fundamento desse amor a que nosso Senhor Jesus Cristo nos chamou que devemos encarar a prática dos princípios. Por isso, em vez de nos ter deixado regras morais e de comportamento, Jesus deixou-nos apenas um mandamento, novo, como lhe chamou: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (S. João 13, 34). Os princípios que devem orientar a nossa vida têm de ser aplicados perante as realidades em que nos inserimos, pois, se vividos cegamente, em vez de alumiarem o caminho, podem conduzir-nos à escuridão que nos faz cair no abismo da intolerância, do fundamentalismo, do fanatismo. Significa isto que a questão do aborto e outras de natureza ética devem ser analisadas tanto à luz dos princípios religiosos, como dos culturais e sociais.

5. A mulher grávida precisa de toda a compreensão e ajuda possíveis, especialmente se existem factores de risco na sua gravidez. Quando se comprova a existência de deficiências de gestação do feto, com risco de anormalidades físicas e mentais para a criança que vai nascer, quando a própria vida da mãe é posta em perigo, física ou mentalmente, pela continuidade de uma gravidez, quando se percebe a ocorrência de problemas diversos do foro pessoal para a mãe ou para o seu núcleo familiar pelo nascimento da criança, a atenção pastoral tem de emergir, refreando a natural e fácil tentação de interpretar literalmente os princípios aplicando-os com a consequente e desresponsabilizante frieza. Nessas alturas, os sentimentos e desejos da mãe – e do pai – devem ser reconhecidos e respeitados, pois, é ela que vai dar à luz e provavelmente é sobre ela que vai recair a maior responsabilidade pelo futuro da criança que vai nascer. Por isso, as Igrejas Anglicanas que se têm pronunciado sobre esta questão combinam a oposição ao aborto por princípio com o reconhecimento de que pode haver circunstâncias sob as quais o aborto é moralmente preferível a qualquer outra alternativa.

6. Ora, infelizmente no nosso país é grande a iliteracia, a ignorância sobre sexualidade, a pobreza que avilta, com enormes disparidades sociais entre as áreas do litoral e do interior. Se a Igreja se reclama do Cristo - Deus incarnado - tem de ter em conta o contexto social dos seus filhos para descobrir as formas de se mostrar com a compreensão duma verdadeira mãe. Entender toda a dimensão da problemática do aborto implica dar primazia à vida, defender o feto, mas, também, ter presente as mulheres que, ainda sujeitas à prepotência masculina, vivem subjugadas a esquemas de vida indignos, mesmo no seio de matrimónios oficialmente aceites; as mulheres que, por falta de outras saídas, se prostituem vendendo o corpo como meio de vida e, portanto, estão sujeitas à gravidez não desejada; as mulheres empregadas com contratos precários que vivem o espectro do despedimento caso engravidem; as mulheres que estão desempregadas ou que trabalhando ganham salários de miséria; as mulheres que não têm habitação condigna que lhes permita compreender e viver toda a ambiência familiar.

7. Vivemos numa sociedade que marginaliza cruelmente os excluídos. Ora, se Deus nos ama e liberta é para que possamos ser expressão do Seu amor aos excluídos que já perderam a ambiência da ternura, o cheiro da entreajuda, a alegria do acompanhamento e do cuidado familiar. Numa palavra, perderam, ou não chegaram a descobrir o sentido de Deus como Senhor da Vida. Então, devemos sentir a necessidade e assumir o compromisso de, como cristãos, ajudarmos a combater as causas sociais que objectivamente ainda levam muitas mulheres a sujeitar-se ao aborto, procurando, com os meios de cidadania ao nosso alcance, exigir a promoção da educação, do planeamento familiar, do emprego e a protecção da maternidade e da paternidade responsáveis.

8. Invocamos o Espírito Santo para que vos guie na decisão que em consciência ides tomar no dia 11 de Fevereiro. Entretanto, pedimos: que vos esforceis por exercer o vosso voto; que aceiteis os que pensam de modo diferente de vós; que o vosso voto seja precedido de reflexão e oração à luz dos conselhos de S. Paulo "... vivam no amor que é fruto dum coração sincero, duma consciência boa e duma fé sem fingimento" (I Tim. 1, 5), e de S. João "Meus filhos, não amemos com palavras e discursos, mas com acções e com verdade. (...) Se a nossa consciência nos acusa, Deus é maior que a nossa consciência e conhece tudo" (I João 3,18-20).

A COMISSÃO PERMANENTE

Centro Diocesano, V. N. Gaia, 28 de Janeiro 2007

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