terça-feira, março 22

ARTIGO PUBLICADO NO PRIMEIRO DE JANEIRO

Artigo da minha autoria, publicado no Jornal O Primeiro de Janeiro, de 15/3/2005.
MOSCADEIRO




ATÉ SEMPRE, DR. ARAÚJO !



Ainda o vejo, pijama, robe, sentado à sua secretária de médico, em casa, três da manhã, atento e resoluto. Estava a sentir-me mal, já lá vão muitos anos, a minha mulher solicitou-lhe auxílio, de madrugada e via telefone, levantou-se logo, a minha casa quase em frente da sua, recebeu-me e medicou-me.

Toda a rua, a freguesia de Vila Nova da Telha e Moreira, sabe quem era: um médico sempre pronto, no seu posto, fosse de noite ou de dia, todos lhe batiam à porta. Sempre solícito, nunca dizia do seu cansaço, amigo dos mais ricos ou pobres a todos atendia com a mesma prontidão.

Há alguns anos ainda passeava pela rua abaixo com sua mulher, estava doente, mas nas noites de verão, ou ao entardecer, braço dado com aquela que sempre esteve ao seu lado, lá ia, embora a doença cavalgasse. Depois já não podia fazer essa caminhada, ficou em casa, e quando eu saía de manhã sempre via o fumo da sua chaminé a sair. Via sim, a esposa, ainda no domingo IV da Quaresma, a passear, sozinha, rua abaixo, a espairecer do trabalho árduo, mas amoroso, de estar com o seu marido.

Hoje, sábado, fui ao seu funeral. E vi aquele corpo morto, a dizer ao vento que passa, as maravilhas da criação. Era cristão, acreditava, e a sua vida foi um testemunho vivo dessa fé. Impressionou-me, não foi decretado luto nacional, nem concelhio, mas no coração de tantos e tantos doentes, que acarinhou e com a sua presença socorreu. Não era um médico qualquer, saía sempre por volta das oito da manhã para o seu apostolado de clínico, e nunca sabia se tinha que socorrer qualquer pessoa pela noite dentro.

E também vi e senti a dignidade da sua mulher, sempre junto ao esquife, da casa mortuária para a igreja paroquial de Vila Nova da Telha e desta para o cemitério. Chorava, mão no caixão, num choro contagioso, digno e crente, a dizer que ela também sabe que o seu marido continua vivo, na memória de todos nós, desde o povo mais simples ao mais afortunado.

Uma coluna destas que aqui escrevo quinzenalmente é política, e é disso que eu falo, quando este homem, que nunca soube em quem votava, nem me interessava ou interessa, é um testemunho, na sua práxis, dum mundo outro que todos queremos, mas que ele encarnou na sua vida de médico e de homem. Perante esta vincada forma de viver, ergue-se a política na sua forma mais nobre, a de sermos mulheres e homens comprometidos com o bem comum, certamente referenciado àquele que foi o ser da sua vida : Jesus Cristo.

Desse ele deu um valioso testemunho, e na sua vida quotidiana soube ser arauto do amor à humanidade.

No seu funeral, não estavam as individualidades da terra, da Maia, excepto a representação da Junta de Freguesia, mas estava a alma participativa de todos que com ele conviveram, ou melhor, de todos quantos dele precisaram.

Contava-me uma senhora, a chorar, que mesmo já doente, não deixou de socorrer o seu pai, quando foi chamado para tal. Era assim o Dr. Araújo, porta aberta, sempre aberta, para o seu semelhante.

Destes homens é que precisa a humanidade, que encarnam na sua vida o dom de ser, de se dar aos outros, sem nada temer. Estes é que constroem, pedra a pedra, a criação. Não querem poder, por isso o poder não esteve presente, nem ele, certamente o queria, porque sabia que o poder corrói e só o serviço é puro. Por isso mesmo não apareceu nas parangonas dos jornais a sua morte, a sua ressurreição, nem os repórteres lá estavam porque não é preciso, a sua vida foi uma reportagem quotidiana de amor e dedicação, que jamais esqueceremos.

Dr. Araújo, meu vizinho, meu protector, quando dele precisei, e de todos nós, não poderia deixar de dar este meu humilde testemunho, e de bem do alto, desta coluna, lhe dizer muito obrigado. Obrigado porque o senhor Dr. sempre esteve connosco, e sempre perdurará na memória dos que consigo privaram. Não me sentiria bem se não dissesse isto, porque é de gratidão que se fala, e a gratidão tão longe anda das mentes atarefadas e preocupadas consigo próprias, o contrário do que foi a pregação da sua vida.

Creio bem estar a falar por todo um povo, que também me elegeu para o representar, que não tem possibilidade de o escrever, mas que grita, lá do fundo do coração, um até sempre, Dr. Araújo.

Até sempre meu amigo, até sempre daquele que não o esquece e também chora o seu falecimento, mesmo sabendo que um dia todos nos reencontraremos. Até lá, com todo este povo, a gratidão sincera. Até sempre, Dr. Araújo!

Joaquim Armindo
Deputado Municipal do PS
jarmindo@clix.pt

http://bemcomum.blogspot.com/

Escreve esta coluna quinzenalmente.

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