quarta-feira, maio 11

ARTIGO DA ALÉM MAR


Este artigo publicado na Além Mar, reproduzo-o aqui, especialmente para uma amiga muito especial. Lena, é para ti.
Diálogo ecuménico
A mediação de Maria
Cada vez mais protestantes estão a descobrir Maria, o que até há algum tempo era absolutamente impensável. O reencontro com a Mãe de Jesus foi fruto do diálogo ecuménico, mas também da cada vez maior influência nos EUA da comunidade latino-americana.
E poderá vir a abrir novos caminhos de entendimento.
JOAQUIM CARREIRA DAS NEVES, Professor da Universidade Católica de Lisboa

A revista americana Time – a de maior audiência em todo o mundo – publicou no dia 21 de Março passado um longo artigo intitulado Hail, Mary, «Ave, Maria». São as iniciais da visita do anjo Gabriel a Maria (Lucas 1, 28). Nesse longo artigo – também ilustrado – os autores apresentam o estado presente da devoção mariana de muitos protestantes da América do Norte. Contrariamente à tradição protestante – com a excepção dos anglicanos da «High Church» – os protestantes, depois de Lutero e, sobretudo, de Calvino e Melanchton, puseram Nossa Senhora na prateleira.
Hoje em dia, sobretudo nos Estados Unidos, as coisas estão mudando.Os autores deste artigo começam por falar com Brian Maguire, pastor presbiteriano de Xenia, no Estado americano de Ohio, que começou a apresentar Maria à sua «congregação» (igreja) partindo do princípio teológico e mariano de que se «Jesus entrou neste mundo e dele saiu» foi por obra e graça da sua Mãe. Maria foi «a primeira e a última discípula do seu próprio Filho. Semelhante posição doutrinal vai contra toda a tradição de 300 anos. É como que quebrar o jejum de há séculos da devoção a Maria, que os protestantes classificavam de «Mariolatria».
A professora protestante de Literatura do Novo Testamento da Universidade de Princeton Beverly Gaventa queixa-se dos protestantes, citando uma outra autora protestante, Kathleen Norris: «Como protestantes fomos educados a tirar a imagem da Mãe de Jesus da caixa dos embrulhos, pelo Natal, para, depois, a embrulharmos novamente até ao próximo Natal.»Estes dois exemplos são, de facto, significativos – as coisas estão mudando no reino protestante dos Estados Unidos da América do Norte.
A mudança deve-se especialmente a dois factores: o movimento ecuménico entre católicos e protestantes e, em alguns Estados, a influência dos latinos católicos, sobretudo mexicanos, com a sua devoção a Nossa Senhora. Eu próprio, na Califórnia, tive oportunidade de ver a reacção positiva de muitos protestantes à devoção dos mexicanos à Virgem de Guadalupe.A dignidade da mulherContinuando com os exemplos apresentados no artigo supracitado, para a protestante Corinne Whitesell, de 74 anos, não são os rosários de «Ave Marias» que lhe interessam, mas a submissão total de Maria a Deus.
Para Gloria Wolff, de 78 anos, Maria, mãe do Salvador, representa a dignidade da mulher na Igreja. É costume, nos protestantes, nunca se falar no feminino, mas só no masculino, pelo facto de Jesus ser homem, mas há que mudar de registo. Significa tudo isto que o muro do silêncio do mundo protestante em relação a Maria está ruindo pouco a pouco.O Credo protestante tem como temas centrais «solus Christus, sola fides, sola Scriptura» (apenas Jesus Cristo, a salvação pela fé e a Escritura). Nossa Senhora fica totalmente de fora. É como se uma mãe desse à luz o seu filho, o entregasse ao mundo, e nunca mais fizesse caso dele. Mas a própria Bíblia tem por Maria um encanto «divino»: o anjo saúda-a como a «agraciada de Deus» e a sua prima Isabel diz dela: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.
E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?» (Lucas 1, 42-43). Reparemos que Isabel afirma que tanto é bendito o Filho como a Mãe. É através desta redescoberta bíblica que muitos protestantes regressam ao culto de Maria, como, aliás foi apanágio da Igreja de todos os tempos até Lutero. Se durante 1500 anos o povo cristão prestou a Maria um culto, porque é que não deve continuar no protestantismo, pergunta o teólogo protestante Robert Jenson, autor da obra Systematic Theology («Teologia Sistemática»)?Estas posições «pró-marianas» estão a fraccionar o mundo fechado protestante «antimariano». Muitos pastores e teólogos protestantes começam a preocupar-se com este movimento.
É o caso do pastor Albert Mohler, presidente da Convenção Baptista do Sul da América, que reúne vários milhões de protestantes das igrejas baptistas. Outro tanto se diga do teólogo luterano Carl Braaten que considera o movimento «pró-mariano» como imparável, mas deseja que tal não signifique regressar ao Catolicismo.
Segundo ele, neste movimento «há coisas boas e más», mas o movimento é, de facto, imparável («it’s going to happen»).Idolatria abominávelRegressando aos pais do protestantismo, Lutero, mesmo depois da Reforma, continuou com a devoção a Maria: «Maria amamentou Deus, pô-lo a dormir, preparou-lhe a comida…»; mas, depois, com Calvino e Melanchton, a devoção a Maria tornou-se uma «idolatria abominável».
Só Jesus é Salvador, e não pode haver intermediários entre Ele e nós, sejam os Santos, seja a sua própria Mãe. Os anátemas contra Maria, partindo sobretudo dos calvinistas presbiterianos e baptistas, que exaltam os Patriarcas, as Matriarcas, os Profetas e os Apóstolos, não têm sentido. Como é que se exaltam todas essas grandes figuras bíblicas, simplesmente por serem bíblicas, e se põe de lado a própria Mãe do Salvador? O teólogo Braaten pergunta: «Porventura Maria não está acima dos Apóstolos?»
Não pertence, também ela à Sagrada Escritura? É por tudo isto – e com toda a lógica bíblica – que muitos protestantes estão a «redescobrir» o papel de Maria na história da salvação. Scot McKnight, evangélico moderado, dedica um capítulo ao «Magnificat» no seu livro The Jesus Creed («O Credo de Jesus»), já que no «Magnificat» de Maria (Lucas 1, 46-55) «estão presentes, virtualmente, todos os temas sobre Jesus».O pastor metodista Donald Charles Lacy, de 72 anos, está atento ao novo movimento protestante «pró-mariano», mas considera que o Concílio Vaticano II fez muito bem em chamar a atenção dos católicos para os «exageros» na devoção católica a Maria. Neste sentido não concorda com o «Totus Tuus» do falecido Papa João Paulo II. Só Jesus é o «Tudo» e os cristãos, inclusivamente o Papa, «todos» de Jesus e não de Maria. Sem dúvida que pode haver «mariolatria» na devoção popular dos católicos. Maria é «mãe», «amor», «coração», «doçura», como todas as mães. E no coração de todos os homens e não apenas de todas as mulheres existe esta referência e vivência psicológica.
No Papa João Paulo II, o «Totus Tuus» não substitui Jesus; é apenas um caminho seguro – um regaço de Mãe – para se amar ainda mais o Filho. Mas nem todos somos João Paulo II. Assim sendo, não há dúvida que a devoção a Maria tem que ser bem canalizada e orientada para não descambar em «mariolatria». E é desta forma que Donald Charles Lacy fundou um grupo metodista, juntamente com católicos, intitulado «Sociedade Ecuménica da Bem-Aventurada Virgem Maria», com publicações «marianas» próprias, nem sempre bem recebidas pelos demais metodistas.É este o panorama do protestantismo americano em relação à devoção a Nossa Senhora.
Os autores do artigo da Times não referem os milhões de neopentecostais, aparecidos nos anos 60, espalhados por todo o mundo. Para estes não há qualquer entendimento entre católicos e neopentecostais. O movimento ecuménico, segundo eles, é antievangélico, fomentado pelo Papa e Igreja Católica, representantes do Anticristo, do Dragão e das Bestas do Apocalipse. Mas é do conhecimento geral que o movimento ecuménico começou dentro das igrejas clássicas protestantes e não dentro da Igreja Católica. Esta só apanhou o comboio mais tarde.
Se quiseres podes comentar.
[01-05-2005 11:32:48] [Em Foco] [7329 caracteres] [Grátis] [ JOAQUIM CARREIRA DAS NEVES, Professor da Universidade Católica de Lisboa ]

2 Comentários:

Às 1:42 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

QUIZERES (???????)

QUISERES (futuro do conjuntivo do verbo querer)

 
Às 11:04 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Como mulher, agrada-me saber que Maria é redescoberta em igrejas de tradição protestante. Como mulher anglicana, senti sempre o respeito e o especial lugar que a Igreja reserva a Maria- nunca a senti como um "perigo" para a pureza do culto ou a entrega à figura central de Jesus.Temo, no entanto, os excessos- a fronteira pode ser perigosamente ténue entre a valorização do seu especialíssimo papel de mãe do Salvador e a mariolatria , excessiva e perversa nos seus contornos. Caberá às diferentes igrejas a gestão sensata desta realidade: Maria como objecto do nosso respeito e veneração e não como intermediária entre Deus e os homens. Maria como mulher especial, escolhida e corajosa, e não como objecto de um culto que distorce a realidade bíblica de que Jesus é o único Senhor e Salvador, único caminho para o Pai ("ninguém vem a o Pai senão por mim").
Por último, uma brevíssima nota de reflexão: para quando o reconhecimento na Igreja Católica da igual dignidade da mulher face ao homem, no exercício dos diferentes ministérios? Sempre me causou confusão por um lado um culto tão exacerbado a Maria e por outro uma permanente (teimosa, persistente...) falta de abertura à participação plena da mulher na vida e no exercício de todos os ministérios - incluindo, claro está, o ministério ordenado...
Nesta caminhada ecuménica que as Igrejas vêm fazendo, suponho que a Igreja Católica-Romana terá neste aspecto muito a aprender com a tradição e prática anglicanas!

 

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