ARTIGO NO JORNAL O DESAFIO
Artigo publicado no Jornal Desafio, em 24/&/2005, da minha autoria e de Lurdes Gomes.
REVELAR A FOZ
PENSAR GLOBALMENTE, AGIR LOCALMENTE
AGÊNCIA NA FOZ DO DOURO, DO BANCO DE TEMPO
A sociedade complexa em que vivemos caracteriza-se pela interacção cada vez mais acentuada de numerosos mercados: os mercados dos bens, serviços, trabalho, financeiro e, também, do tempo, que depende da gestão das várias variáveis relacionadas com o tempo.
Em sintonia com a prática correcta do “pensar globalmente, agir localmente” surgiu em Portugal o Banco de Tempo, uma “instituição de crédito”, particular, em que qualquer investidor que esteja disposto a dar uma hora do seu tempo para prestar um conjunto de serviços, recebe, em retribuição, uma hora para utilizar em benefício próprio.
Os Bancos de Tempo existem em vários países europeus, nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, entre outros, e possui agências, horário, depósitos, cheques utilizando o tempo como moeda de troca; baseia-se na filosofia dos que apareceram em Itália, no inicio da década de 90, em que um grupo de mulheres, confrontadas com a falta de tempo, decidiram ser alternativa para a reestruturação da rede social e da solidariedade recíproca.
O Banco de Tempo apoia-se em duas estruturas a níveis de organização e funcionamento: o Banco Central e as Agências. O Banco Central situa-se na Sede do Movimento Internacional de Mulheres Graal, em Lisboa, e funciona como entidade integradora e impulsionadora. As Agências são o resultado de parcerias entre a Associação Graal e instituições da comunidade local. Sendo estas últimas estruturas próximas da comunidade, promovem as actividades necessárias ao bom funcionamento do Banco de Tempo a nível local e são fundamentais para quebrar barreiras estruturais ao seu lançamento, seja pela credibilidade que passam à agência, seja pelos recursos que disponibilizam. A primeira agência abriu em Janeiro de 2002 e o Banco de Tempo conta hoje mais de 14 agências em todo o país.
O objectivo é o de criar relações através da troca de tempo, onde todas as actividades valem o tempo que duram. Se uma hora de “passeios ao luar” vale o mesmo que uma explicação de Alemão, significa que não se está a valorizar profissões, nem objectos, mas pessoas. Ao valorizar-se o que cada pessoa gosta de dar está-se a valorizar aquilo que a pessoa gosta, logo, a própria pessoa.
Há um encorajamento à descoberta das sua próprias capacidades e da sua utilização para si e para os outros, independentemente das regras do mercado. Esta ideia vai contra a mentalidade produtivista que rege as sociedades actuais, onde as reais capacidades dos indivíduos são quase completamente esquecidas em favor de um reconhecimento social baseado no conhecimento e eficácia.
Para além disso procura-se alargar o leque das actividades que a pessoa pode desenvolver. Ao procurar uma resposta às necessidades que vão surgindo na comunidade revelam-se e estimulam-se novos talentos, tornando utilizáveis recursos até então passivos.
O banco de tempo promove uma maior flexibilidade na gestão da vida quotidiana, nomeadamente com os problemas relacionados com a conciliação entre a vida profissional e familiar que atingem, em muito maior escala, as mulheres; nos países do sul da Europa, e em particular nos centros urbanos, há uma tendência para o aumento da taxa feminina, isto apesar do facto de as mulheres estarem já sobrecarregadas na família e no trabalho.
Não se trata de voluntariado, mas de uma reciprocidade indirecta, de uma rede de entreajuda comunitária. A valorização igualitária das competências e do tempo de cada um, bem como a obrigatoriedade de trocar (dar e receber), leva a uma ausência de dependência entre quem dá e quem recebe.
Esta obrigatoriedade em dar e receber é muito interessante e tem sido, em muitos sítios, um dos factores que tem contribuído para que as trocas tenham dificuldade em iniciar-se. Esta dificuldade em pedir, em assumir o papel de quem precisa de alguma coisa, parece desempenhar uma função importante. A ausência de auto-suficiência aparece associada a um estatuto de perdedor, de vulnerável, de fraco.
Mas como neste jogo o saldo nunca pode ser superior a 20 horas, todos os jogadores têm mesmo que receber, dando aos outros a possibilidade de também eles acumularem horas de crédito. E assim, de troca em troca, ninguém fica a dever favores a ninguém, e talvez por isso as pessoas se estejam a habituar a jogar este jogo.
Cada agência é muito diferente das outras. Cada uma tem o seu ritmo próprio, a sua estratégia, e existe uma grande diversidade de modelos, quer devido às diferenças da população abrangida, quer às diferentes características, motivações, recursos disponibilizados e estrutura das entidades parceiras locais, ou ainda aos diferente recursos humanos afectos à agência.
A troca de tempo é uma oportunidade social que tem em vista a valorização das relações humanas e dos talentos individuais, a igualdade entre indivíduos e o desenvolvimento das relações interpessoais: todos temos algo a dar e a receber.
Num país, como o nosso, que se tornou passivo e que se lamenta e minimiza constantemente, esta experiência de inclusão mostra que é possível desenvolver uma nova cultura de participação, de afirmação de vontades e entusiasmos que buscam soluções para problemas do dia a dia. Claro que, como em todos os fenómenos de mudança, há coisas que bloqueiam e que dificultam.
O Banco de Tempo não é (nem pretende ser) a resposta para todas as questões sociais. Não substitui as Instituições de Solidariedade Social nem a responsabilidade do Estado. Tem que haver uma intervenção sistémica que tenha em vista uma mudança estrutural e de mentalidades, como sejam políticas sociais que promovam condições para a valorização dos indivíduos e suas capacidades, e para a conciliação entre os diversos tempos de vida. No entanto, a concretização do Banco de Tempo em Portugal, pode incluir-se numa nova forma de regulação social.
Todos queremos mudanças e muitas vezes pensamos que as pequenas iniciativas não são mais que pequenas gotas de água nesse oceano desconhecido da globalização. Mas as mudanças também se fazem com pequenos passos.
Na Foz do Douro, e por iniciativa da Junta de Freguesia, já se realizou uma sessão de esclarecimento em 21 de Junho passado, e no próximo mês de Setembro será lançada a Agência do Banco de Tempo, da freguesia. Não perca tempo, vá saber o que é, e contribua para dar e receber.
Lurdes Gomes e Joaquim Armindo, a partir de texto fornecido
PENSAR GLOBALMENTE, AGIR LOCALMENTE
AGÊNCIA NA FOZ DO DOURO, DO BANCO DE TEMPO
A sociedade complexa em que vivemos caracteriza-se pela interacção cada vez mais acentuada de numerosos mercados: os mercados dos bens, serviços, trabalho, financeiro e, também, do tempo, que depende da gestão das várias variáveis relacionadas com o tempo.
Em sintonia com a prática correcta do “pensar globalmente, agir localmente” surgiu em Portugal o Banco de Tempo, uma “instituição de crédito”, particular, em que qualquer investidor que esteja disposto a dar uma hora do seu tempo para prestar um conjunto de serviços, recebe, em retribuição, uma hora para utilizar em benefício próprio.
Os Bancos de Tempo existem em vários países europeus, nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, entre outros, e possui agências, horário, depósitos, cheques utilizando o tempo como moeda de troca; baseia-se na filosofia dos que apareceram em Itália, no inicio da década de 90, em que um grupo de mulheres, confrontadas com a falta de tempo, decidiram ser alternativa para a reestruturação da rede social e da solidariedade recíproca.
O Banco de Tempo apoia-se em duas estruturas a níveis de organização e funcionamento: o Banco Central e as Agências. O Banco Central situa-se na Sede do Movimento Internacional de Mulheres Graal, em Lisboa, e funciona como entidade integradora e impulsionadora. As Agências são o resultado de parcerias entre a Associação Graal e instituições da comunidade local. Sendo estas últimas estruturas próximas da comunidade, promovem as actividades necessárias ao bom funcionamento do Banco de Tempo a nível local e são fundamentais para quebrar barreiras estruturais ao seu lançamento, seja pela credibilidade que passam à agência, seja pelos recursos que disponibilizam. A primeira agência abriu em Janeiro de 2002 e o Banco de Tempo conta hoje mais de 14 agências em todo o país.
O objectivo é o de criar relações através da troca de tempo, onde todas as actividades valem o tempo que duram. Se uma hora de “passeios ao luar” vale o mesmo que uma explicação de Alemão, significa que não se está a valorizar profissões, nem objectos, mas pessoas. Ao valorizar-se o que cada pessoa gosta de dar está-se a valorizar aquilo que a pessoa gosta, logo, a própria pessoa.
Há um encorajamento à descoberta das sua próprias capacidades e da sua utilização para si e para os outros, independentemente das regras do mercado. Esta ideia vai contra a mentalidade produtivista que rege as sociedades actuais, onde as reais capacidades dos indivíduos são quase completamente esquecidas em favor de um reconhecimento social baseado no conhecimento e eficácia.
Para além disso procura-se alargar o leque das actividades que a pessoa pode desenvolver. Ao procurar uma resposta às necessidades que vão surgindo na comunidade revelam-se e estimulam-se novos talentos, tornando utilizáveis recursos até então passivos.
O banco de tempo promove uma maior flexibilidade na gestão da vida quotidiana, nomeadamente com os problemas relacionados com a conciliação entre a vida profissional e familiar que atingem, em muito maior escala, as mulheres; nos países do sul da Europa, e em particular nos centros urbanos, há uma tendência para o aumento da taxa feminina, isto apesar do facto de as mulheres estarem já sobrecarregadas na família e no trabalho.
Não se trata de voluntariado, mas de uma reciprocidade indirecta, de uma rede de entreajuda comunitária. A valorização igualitária das competências e do tempo de cada um, bem como a obrigatoriedade de trocar (dar e receber), leva a uma ausência de dependência entre quem dá e quem recebe.
Esta obrigatoriedade em dar e receber é muito interessante e tem sido, em muitos sítios, um dos factores que tem contribuído para que as trocas tenham dificuldade em iniciar-se. Esta dificuldade em pedir, em assumir o papel de quem precisa de alguma coisa, parece desempenhar uma função importante. A ausência de auto-suficiência aparece associada a um estatuto de perdedor, de vulnerável, de fraco.
Mas como neste jogo o saldo nunca pode ser superior a 20 horas, todos os jogadores têm mesmo que receber, dando aos outros a possibilidade de também eles acumularem horas de crédito. E assim, de troca em troca, ninguém fica a dever favores a ninguém, e talvez por isso as pessoas se estejam a habituar a jogar este jogo.
Cada agência é muito diferente das outras. Cada uma tem o seu ritmo próprio, a sua estratégia, e existe uma grande diversidade de modelos, quer devido às diferenças da população abrangida, quer às diferentes características, motivações, recursos disponibilizados e estrutura das entidades parceiras locais, ou ainda aos diferente recursos humanos afectos à agência.
A troca de tempo é uma oportunidade social que tem em vista a valorização das relações humanas e dos talentos individuais, a igualdade entre indivíduos e o desenvolvimento das relações interpessoais: todos temos algo a dar e a receber.
Num país, como o nosso, que se tornou passivo e que se lamenta e minimiza constantemente, esta experiência de inclusão mostra que é possível desenvolver uma nova cultura de participação, de afirmação de vontades e entusiasmos que buscam soluções para problemas do dia a dia. Claro que, como em todos os fenómenos de mudança, há coisas que bloqueiam e que dificultam.
O Banco de Tempo não é (nem pretende ser) a resposta para todas as questões sociais. Não substitui as Instituições de Solidariedade Social nem a responsabilidade do Estado. Tem que haver uma intervenção sistémica que tenha em vista uma mudança estrutural e de mentalidades, como sejam políticas sociais que promovam condições para a valorização dos indivíduos e suas capacidades, e para a conciliação entre os diversos tempos de vida. No entanto, a concretização do Banco de Tempo em Portugal, pode incluir-se numa nova forma de regulação social.
Todos queremos mudanças e muitas vezes pensamos que as pequenas iniciativas não são mais que pequenas gotas de água nesse oceano desconhecido da globalização. Mas as mudanças também se fazem com pequenos passos.
Na Foz do Douro, e por iniciativa da Junta de Freguesia, já se realizou uma sessão de esclarecimento em 21 de Junho passado, e no próximo mês de Setembro será lançada a Agência do Banco de Tempo, da freguesia. Não perca tempo, vá saber o que é, e contribua para dar e receber.
Lurdes Gomes e Joaquim Armindo, a partir de texto fornecido
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