O poder da compaixão
Conferência de Sua Santidade Dalai Lama, no dia 29 de abril de 2006,
No Ginásio do Ibirapuera, São Paulo, Brasil
Visto que nossa vida começa e termina com a necessidade de afeto e cuidados,
não seria sensato praticarmos a compaixão e o amor ao próximo enquanto podemos?
Compaixão é um poder. Cultive-a
Somos seres humanos e não os papéís que desempenhamos. Eu sou um ser humano, sou asiático, sou do Tibet, sou o Dalai Lama. É nessa ordem. Quando focamos nossa dimensão “ser humano” as barreiras caem.
Quando estamos em momentos difíceis, o nosso melhor amigo é a paz de espírito e a mente calma. Se tivermos paz de espírito o corpo físico fica melhor. Ter a mente com paz tem um papel muito importante.
Como ser humano, eu não tenho nada a oferecer, o que posso fazer é compartilhar as minhas experiências. Já enfrentei tempos difíceis e o amigo mais confiável foi minha paz de espírito, ter a mente calma. Quem pode ser mais descontraído e relaxado tem suas funções mentais mais normais e pode usar bem a inteligência humana. Se a mente é calma, os elementos do seu corpo entram
Estive com altos executivos, com gente morrendo de câncer, com banqueiros. Gente de topo muitas vezes é perturbada, com dificuldades de se comunicar e sentem ansiedade. A vida moderna não é fácil, sempre temos pressa e há muita competição, o que resulta numa mente tensa. Muitos procuram externamente um alívio, como a bebida ou fumar, para evitar seus problemas, buscando alívio externo, mas isto só funciona no curto prazo. Não olhamos seriamente para dentro, para enfrentar este problema.
O sistema educacional do ocidente, há 1000 anos, separou temas que antes eram integrados. As Igrejas e as Famílias deveriam cuidar dos assuntos morais e as Escolas dos assuntos intelectuais. Criou-se uma separação. Isto funcionou por séculos, mas agora as coisas não estão funcionando bem. As Igrejas (religiões) perderam sua influência e as famílias têm problemas. Ninguém cuida da moral, da ética, dos valores internos. É preciso mais atenção aos valores internos.
A compaixão é ação para evitar o sofrimento dos outros. É um valor interior. Chegou o tempo de se fazer um trabalho de pesquisa no atual sistema educacional. O que falta? O que o governo pode fazer? O que o sistema educacional pode fazer? Não basta uma Palestra, é preciso mais, é preciso cultivar este tema, os valores internos. É preciso reforçar a real capacidade de transformação da sociedade. Mas eu vou embora amanhã, portanto isto é com vocês. Só uma Palestra sobre valores humanos não tem muitos benefícios. Deveria haver mais do jardim da infância até a Universidade.
A busca de maior ética tem duas opções: depender da religião ou não depender da religião. Nos tempos modernos, vivemos em ambientes multiculturais, os plurais convivendo. Devemos achar outras formas de ensinar, não baseadas em crenças religiosas e sim em temas seculares.
O que é a ética? É a ação, a motivação do corpo, da fala, do mental, de qualquer coisa que possa ser benéfica a si próprio e para os outros. Existe a ação ética e a motivação ética. O desejo de trapacearmos, de enganar é antiético, assim como dar um sorriso artificial ou dar um presente com outras intenções. Usar palavras duras pode ser compaixão se trás benefício para o outro.
O que é benéfico para outros é também para você, talvez não no curto prazo mas com certeza no longo prazo. Assim a prática da compaixão é extremamente benéfica. Tem-se a idéia de que a compaixão é ligada à religião. Isto é errado. Desde o primeiro dia de vida a compaixão tem lugar em nossa vida. A primeira pessoa a enviar-nos o valor da compaixão é nossa mãe. Sem a afeição humana não podemos sobreviver. Sem a religião podemos sobreviver.
Compaixão não é um assunto religioso. Dizer que a prática da compaixão beneficia os outros e não a mim é um erro! Pensar nos problemas e sofrimentos dos outros nos trás confiança e reduz o medo e a ansiedade. Compaixão é atmosfera, é mais sorrisos lindos. Só não vale para os mosquitos! Os animais mostram afeição e assim você ganha amigos em toda a parte.
A suspeição e o medo causam desconforto. Olhe para além da suspeição. A suspeição é como andar num quarto escuro. A compaixão trás resultados positivos e imediatos a quem pratica. Na Europa eu sorrio, e pessoas desconhecidas também sorriem. Mas alguns reagem: porque ele sorri para mim? Isto pode causar suspeita. Às vezes minha compaixão pode gerar desconforto para os outros.
Toda ação humana é carregada de motivação. Se tivermos compaixão na motivação isto é positivo. Se tivermos ignorância e ciúmes, este tipo de ação humana, incluindo a religiosa, será negativa. A compaixão apropriada vai junto com a sabedoria. A genuína compaixão com sabedoria é a base para a vida pacífica do indivíduo, da família, da comunidade e da nação.
Perguntas do público
Quando brigo, ou brigam comigo, o que fazer?
Brigar está bem, mas manter ressentimentos não é bom. A raiva vem, é inevitável, mas não devemos guardar a raiva dentro de nós. Se você fizer isto ela se torna mais intensa e isto não é bom
Sua Santidade fica bravo?
Sim, sou um ser humano. Fico com raiva quando as coisas não dão certo.
Qual a origem do medo e como lidar com ele?
O medo é a “parte baixa” da mente. O medo é útil para proteger, para sermos cautelosos, é um elemento de sobrevivência. É o medo baseado na razão. Existe o medo criado pela mente, pela ignorância, raiva, ódio, inveja, ciúme, que traz desconforto, pois a atitude com os outros é negativa
Nós podemos praticar a compaixão em relação à natureza?
A compaixão é um estado mental que aspira remover o sofrimento dos outros. Se pensarmos a compaixão como cuidado por outra coisa, o meio ambiente que ampara os seres vivos, sim, é possível ter compaixão pelo meio ambiente.
Como lidar com a idéia da morte, a morte de pessoas queridas? Como beneficiar aqueles que estão morrendo?
O tema da morte depende das diferentes crenças que cercam a morte. Depende muito se o tema da morte vem cercado de medo ou não. Morte é parte da vida, portanto aceite-a. Isso reduz o medo mais excessivo em relação a morte. O medo mais razoável nos leva a refletir mais sobre a vida, sobre o que podemos fazer. Se tivermos compaixão, na hora da morte teremos menos arrependimentos.
Como o Sr. vê Jesus Cristo?
Um grande mestre, faz a diferença para milhões de pessoas ao longo de séculos.
A maior felicidade é dar felicidade aos outros?
Sim
Quando começo a atravessar a ilusão e ver a realidade sou percebida como louca. Como estar na realidade e não ser solitária?
Quem conhece a realidade? Precisamos de um “cross check”, portanto precisamos de outras pessoas. Talvez as outras pessoas é que sejam loucas. Talvez eu seja louco, e isto não tem importância
Como podemos ser felizes num mundo de violência, miséria e fome, e pessoas com sede de poder que querem ganhar sempre?
Esta é uma pergunta pessimista. Não existe mundo perfeito. Alguns problemas sempre estiveram aqui. Não é realístico ser pessimista. É preciso olhar holisticamente, olhar o planeta com problemas, mas também com coisas boas. Se olho só o negativo, parece insuportável. O olhar holístico gera uma postura mental mais equilibrada.
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