sexta-feira, outubro 15

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "PRIMEIRA MÃO", EM 8/10/2004

No Jornal semanário "Primeira Mão", foi publicado um artigo da minha autoria, que aqui partilho:
AS REFLEXÕES DE UM MILITANTE


José Sócrates ganhou por uma esmagadora maioria as eleições e o Congresso do Partido Socialista, obtendo toda a legitimidade democrática para assumir o cargo de secretário-geral. As, diria mais, a sua vitória pelos números expressos não é tão contundente, como se os seus camaradas concorrentes obtivessem percentagens mais elevadas; é que ganhar por mais de oitenta por cento, cheira a bafio e próprio de um apoio que não é unânime de entre os seus votantes.

Vejamos o porquê desta afirmação, no plano das ideias e da vida interna do Partido. Não tenhamos medo e prossigamos o debate, porque este exercício foi bem vivo durante a campanha mercê de quem ousou colocar as questões sem constrangimentos. E também não é agora, nem será nunca, que me tirarão a liberdade de opinar. A unidade, constrói-se na pluralidade de opiniões, e o Múltiplo só é Uno, quando a frequência holística for uma constante na prática política de cada um de nós, e não o é. A unidade é construída, com as minorias, numa intercultura sólida, que não cassação ao direito e dever da discordância, ou então estaremos numa qualquer União Nacional.

No plano da vida interna, tenho em mente o caso paradigmático da Maia, onde, antes e depois, a "central de interesses" instalados bem se fez sentir, e cujos votos em José Sócrates foram imediatamente apropriados por quem quer à força ser candidato à Presidência da Câmara da Maia, mesmo que os militantes não o queiram, porque a derrota será certa. Não afirmo que Sócrates tenha culpa, ou mesmo incentivado esses actos, mas que vai ter que viver com eles, isso vai, e os mesmos que hoje o aplaudem, serão aqueles que amanhã o apunhalarão. É evidente que muitos militantes na Maia o apoiaram pelo seu querer e pensar, muitos caminhamos lado a lado nas lutas pela Maia e esta divisão foi pontual: a esses quero dizer que estaremos sempre do mesmo lado da barricada.

Na Maia a candidatura de Manuel Alegre impugnou duas eleições, por não se respeitarem os Estatutos, ausentando-se, os autores, das mesas de voto. Existiu quem fosse autêntico cacique manipulador até de consciências e fosse além, mentindo sobre os apoios às outras candidaturas. Quem andasse continuamente com mensagens de telemóveis, batesse às portas das casas, com medo que na pretensa sua Secção não conseguisse os votos que possam guindar a outros voos, nomeadamente o do executivo municipal. Aqueles, que honestamente apoiaram José Sócrates na Maia, bem sabem que estas palavras são verdadeiras e que não existirão condições de unidade com caciqueiros, que até da sua profissão se servem para quiçá, moldar consciências. Isto não se chama mau perder (que não foi o meu caso, apoiando Manuel Alegre), mas reflectir sobre os métodos de que alguns deitam mão, para colocar os seus interesses pessoais e de clã, acima de tudo, e se colarem a prováveis vencedores, relegando o Partido e o País para as antípodas do colectivo e bem comum. Neste Concelho, como em Aldoar (Porto) ou em Guifões (Matosinhos) e um pouco pelo País, o caciquismo pontuou. É a "central dos interesses" que todos temos de combater.

No plano das ideias, dos programas concretos, não das Moções as quais terão sido lidas por número limitadíssimo e já estão na gaveta, sempre estarei atento à junção ou não, de propostas das outras candidaturas, que Sócrates foi tornando suas. O Partido Socialista dirige-se a todas as mulheres e homens de boa vontade, interclassista é verdade; mas deve focalizar a sua acção nos trabalhadores, nos marginalizados, naqueles que não têm voz, nem vez, e isto é social-democracia e socialismo. Tentar apagar esta característica será, certamente, uma viragem a uma pretensa modernice e à perda daqueles que mais devemos defender; será não compreender os sinais dos tempos. Na gestão da função pública ou privada, submetê-la a ditames economicistas e de pretensa responsabilidade social, esquecendo como se gere, pela qualidade, ambiente e segurança e até na ética, numa clara cultura organizacional de que o lucro é um somatório de dinheiro e bem estar das partes interessadas, é relegar a tradição socialista e humanista, o pensamento aceite desde sempre e em todos os lugares e a razão do nosso ser existencial. Dois exemplos, a que poderia juntar a ponderação urgente sobre a saída da GNR do Iraque, assunto sobre o qual o meu secretário-geral deve não ter medo de reflectir, pois não foi por estas questões que obteve a esmagadora maioria dos votos.

Enquanto, que fui, coordenador da Comissão de Apoio da Candidatura de Manuel Alegre, na Maia, desejo reafirmar a minha liberdade de pensar, porque ninguém "cortará o bico ao rouxinol" .

Joaquim Armindo
ex-Coordenador da Comissão de Apoio a Manuel Alegre, na Maia.
jarmindo@clix.pt
http://bemcomum.blogspot.com/

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