sexta-feira, novembro 19

UMA CARTA PARA MEDITAR, DUM JOVEM

Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa,

No passado dia 18 de Novembro de 2004 foi aprovado na especialidade o diploma que estabelece o Regime de Transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano.

Tem este regime, como finalidade principal, e passo a citar o preâmbulo do diploma, “devolver ao Estado a tarefa de assegurar o direito fundamental à habitação, constitucionalmente consagrado, o qual, até hoje, tem sido assegurado, coerciva e indevidamente, pelos proprietários” , assegurar a “correcção das situações que actualmente distorcem o mercado de arrendamento”, e isto procurando sempre “atender às consequências que tais medidas implicarão a nível social”.

Uma das situações sociais que mais protecção merecem neste diploma, é a situação das pessoas com “dificuldades acrescidas de mobilidade”. Assim, prevê o diploma, no seu artigo 24º nº1, que “Se o arrendatário invocar idade superior a 65 anos e rendimento anual bruto corrigido inferior a 5 salários mínimos anuais, ao contrato continua a aplicar-se o Regime do Arrendamento Urbano, sem quaisquer alterações”. E é por este mesmo motivo que lhe envio esta correspondência.

Creio ser esta disposição de constitucionalidade duvidosa, por violação do artigo 13º da Constituição, o Principio da Igualdade.

Este artigo postula várias exigências, entre as quais, que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade». O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot) (Ac. 186/90 do Tribunal Constitucional).

Este artigo não é, portanto, incompatível com discriminações em função da idade, desde que esta discriminação não seja “arbitrária, ou seja, se tiver uma justificação razoável”.

Contudo, tal como se encontra o diploma, na sua redacção actual, é criada uma situação profundamente injusta e infudadamente desigual na qual a lei tratará mais favorávelmente um cidadão de 65 anos que receba 5 salários mínimos por ano, do que outro de 64 anos que receba menos de 3 salários mínimos. Isto sem que se vislumbre qualquer justificação plausível para uma maior protecção destes cidadãos.

Da mesma forma, o diploma omite por completo qualquer referência aos reformados por invalidez, que, no meu entender, são os que verdadeiramente merecem a protecção em função dos seus problemas de mobilidade. Trata-se de situações em que muitos deles têm já as suas habitações adaptadas ás suas deficiências, são os que normalmente auferem pensões mais reduzidas, e, também, são os que normalmente mais dependem de uma teia de relações de solidariedade estabelecida com a sua vizinhança. Para estes, um possível despejo causará prejuízos na sua qualidade de vida que a atribuição de uma nova habitação e qualquer indemnização não compensarão.

Alerto-o também para a possibilidade de, em virtude da actual redacção do diploma e da “ratio legis” do mencionado artigo 24º, vir-se a registar um aumento da litigiosidade em função do mais que plausível entendimento de que o artigo 24º deve ser interpretado extensivamente por forma a abranger este tipo de situações, envolvendo em desgastantes batalhas juridicas quem apenas quer terminar os seus dias em paz.

Assim, Exmo. Sr. Presidente da República, venho por este meio humildemente pedir-lhe que actue no sentido de corrigir esta situação, seja no uso do seu poder de pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do referido artigo ou, então, sugerindo ao orgão competente a substituição da abrangência do artigo aos maiores de 65 anos, passando o mesmo a atender apenas á condição do cidadão que seja pensionista.

Com os melhores cumprimentos,
João Paulo Santos
Estudante de Direito

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