quarta-feira, dezembro 15

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL PRIMEIRO DE JANEIRO

Artigo da minha autoria publicado, no Jornal Primeiro de Janeiro, em 7 de Dezembro.
MOSCARDEIRO

CULTURA, GÉNESE DE UM POVO

O Governo caiu. O Presidente da República não teve outra alternativa face a uma multiplicação das tolices mais básicas. Mediaticamente, essas asneiras reportam-se a uma série de problemas base da sociedade portuguesa que a têm levado, nestes últimos tempos (os quatros meses do Governo Santana, mais parecem quatro anos), a uma continuada crise. Contudo, apesar das áreas que mais emergem (economia, saúde, educação, etc.), pouco se fala numa das áreas onde este Governo (prolongando aliás a apatia do Governo anterior) pior esteve: a cultura. Na cultura, as políticas foram erráticas, inconsequentes e tiveram apenas um condão: o de, ideologicamente, subverter as políticas do Governo socialista.

Há alguns pontos que devem ser referidos nas práticas desta política cultural governamental. O primeiro tem a ver com a nova Lei do Cinema. Sabendo que é uma lei crucial para o panorama audiovisual português, alguma coisa tinha de mudar. Todavia, com uma lei genérica e deixando tudo para decretos posteriores, o Governo preparava-se para alterar a concepção das lógicas dos subsídios. Isto é, preparava-se para confundir o cinema com o audiovisual, baralhando as regras do jogo. É verdade: basicamente era necessário mudar as políticas dos subsídios. Quero dizer, não é que o Governo pusesse em causa essa política. Simplesmente começava a haver uma mudança subtil, de forma a envolver uma dinâmica comercial (seja, fazendo-os depender dessa dinâmica) em detrimento da componente criação. O que estava e está em causa é a própria liberdade do criador (na verdade, o criador é um autor de património de hoje, para o futuro).

O que este Governo (como o anterior) fez, foi uma alteração da imagem da cultura. Se com o Governo Guterres esse foi o principal cavalo de batalha, todas as energias pareciam ter sido consumidas nesta nova fase cultural. Vejamos: com Guterres foi criado o Ministério da Cultura, face visível de uma necessária renovação mediática dos agentes culturais; com o Governo Santana (assim como com Durão) o Ministério da Cultura foi entregue a ministros apagados ou deslocados da verdadeira génese da criação contemporânea. Caminhava-se, neste último caso, para um crescente apagamento da função actuante de um ministério. Em última análise, isso poderia implicar a médio prazo, a um regresso orgânico de apenas uma Secretaria de Estado. É talvez uma das diferenças incontestáveis entre direita e esquerda; a segunda pensará sempre na Cultura como actividade transversal a toda a sociedade, a primeira como um acessório.

Na verdade, o que o orçamento de estado para 2005 traz para a cultura são dois factos indesmentíveis. O primeiro é o corte transversal que haverá (em termos reais) no Ministério e em todos os Institutos a ele associados (como um dossier do Público deu à estampa). Apesar de aparentemente haver um aumento, as cativações orçamentais revelavam esta redução generalizada. O segundo facto vem consubstanciar esta degradação da imagem cultural: o Governo preparava-se (e prepara-se?) para cortar nos benefícios fiscais dos autores. Isto é, como todas as actividades relacionadas com os direitos de autor eram taxadas em 50% (do IRS), o ministro Bagão Félix achou que eram benesses a mais e resolver cortar aos rendimentos mais elevados (esquecendo que a actividade autoral é sazonal e imprevisível). E quem tinha sido o Primeiro-Ministro a introduzir estes benefícios fiscais? Cavaco Silva, pois então.

Enfim, atitudes destas, em termos políticos, económicos e fiscais, apesar de não apagarem a cultura contemporânea (que já está demasiado desenvolvida e com um motor próprio de crescimento), revelam um profundo desconhecimento no mínimo, da realidade contemporânea. A cultura, mais do que nunca, será o elemento sinalético de individualidade de um país num mundo globalizado, e será o factor da diferença. Só saberemos quem somos, pelo rasto do que a nossa Cultura difundir de nós.

Há um pormenor, não negligenciável, neste contexto: o panorama cultural do distrito do Porto. Como se já não bastasse esta apatia governamental, o Porto apanhou como uma série de encadeamentos do poder autárquico que minaram todas as estruturas criadas com o evento estruturante que foi o Porto 2001. Mais uma vez, esta direita conservadora e ressabiada resolveu olhar para trás em vez de olhar para a frente. E esta tristeza desoladora é o nosso novo contexto: já pouco sobra para além de Serralves e uns quantos festivais (de culturas várias) que vão acontecendo nos concelhos periféricos. E muito tão-só graças a mecenatos vários.

Esperemos que o novo poder, que é neste momento absolutamente necessário (tanto na região do Porto, como no país) saiba recolocar a Cultura no mapa das prioridades. Fazê-lo é uma exigência deste nosso mundo contemporâneo, sob pena de perdermos aquilo que realmente interessa: um ser humano mais justo e holístico.

O que aqui se reflecte, agora e também, se traduz nas políticas culturais, do Concelho da Maia. E é preciso mudar de paradigmas que substantivem o crescimento das mulheres e homens que vivem nesta região nortenha. A Cultura é a arma fundamental.

Joaquim Armindo
Deputado Municipal do PS
jarmindo@clix.pt
http://bemcomum.blogspot.com/

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