Entrou em vigor no primeiro dia de 2006, a nova grelha da Antena 2. Para começar, lamento o fim do "A Força das Coisas", programa que Luís Caetano vinha realizando nas tardes de sábado desde 2003. Luís Caetano tem na nova grelha, um programa com um conteúdo similar – Um Certo Olhar -, o que se aplaude, mas não me parece boa ideia um programa que requer uma audição calma e sem correrias ser emitido de segunda a sexta-feira ao meio-dia. Aplaudo que o programa dedicado à música étnica, Raízes , agora realizado e apresentado por João Almeida, tenha mais tempo de antena, mas infelizmente foi mudado para um horário que não é praticável por muitos interessados: às 13h de segunda a sexta! Programas deste género fazem mais sentido em horários pós-laborais ou ao fim-de-semana. Fica o reparo!
Dos novos programas tive uma agradável surpresa: O Ouvido de Maxwell (quintas, 10h e 24h), da autoria António Almeida, um programa que requer um ouvido atento, daqueles que bebem todas as palavras e que foi um raro momento de beleza e de sortilégio pelo sábio encandeamento entre palavras que convidam à meditação e as peças musicais criteriosamente escolhidas. Espero que esta minha impressão se venha a confirmar nas próximas emissões.
Congratulo-me que o programa de Joel Costa, Questões de Moral (segundas, 10h ou 24h), continue porque é um programa de autor de referência da rádio portuguesa e, sem dúvida alguma, uma das mais valias do canal. Mas tenho a lamentar o horário nocturno ser muito adiantado. Uma hora antes já seria aceitável pois possibilitaria a sua audição por muitos interessados que tem de se levantar cedo no dia seguinte e que não o podem ouvir no período da manhã por razões profissionais. Lamento também a ausência de programas não musicais: ciência, informática, história, sociologia, ficção, teatro. Além da rubrica Os Sons Férteis (poesia e música) e do magazine de livros Escrita em Dia (que passa primeiro na Antena 1), o que há mais? Aliás, terem ido buscar o programa de Francisco José Viegas à Antena 1 evidencia bem a tentativa de disfarçar a penúria de espaços culturais na actual grelha.
O programa do horário de despertar – Amanhecer – que vinha sendo conduzido por João Almeida e Maria Augusta Gonçalves, era uma alternativa muito válida a quem não quer ouvir as estações de notícias ou as rádios de 'play list'. O programa continua em moldes semelhantes mas foi objecto de um notório desinvestimento ao ser entregue aos colaboradores mais novatos. Aos sábados de manhã continuamos a ter a Judite Lima, mas atendendo a que tanto o formato como o conteúdo do programa continuam a ser os mesmos não compreendo a mudança de nome de 'Jardim da Música' para Sarabanda . Influência do filme de Ingmar Bergman? 'Jardim da Música' parece-me um nome mais rico e poético e não me importava nada de continuar a ouvir o indicativo com o belíssimo adágio do concerto 'Inverno', de Vivaldi, com chilreios de pássaros em fundo. Bem sei que a Judite Lima (tal como eu) é uma grande cultora das suites para violoncelo de Bach, mas interrogo-me se não terá sido forçada a mudar o nome do programa. A ser verdade, é pena que a direcção não entenda que os nomes dos programas são património radiofónico e, por extensão, património cultural. Que interesse há em mudar o nome de um programa se ele continua igual?
Quando ouvi falar numa grelha para atrair novos públicos, confesso que fiquei receoso quanto à música clássica que iria constar na Antena 2. Até me ocorreu que em vez das obras integrais já não digo de Stockhausen, Pierre Boulez ou Emanuel Nunes mas, pelo menos, de Bach, Vivaldi, Haendel, Beethoven, Schubert, Mahler e Debussy passaríamos a ouvir sequências de trechos de fácil agrado do tipo Selecções do Readers Digest. Do que tenho ouvido notei haver uma preponderância de obras curtas e dos excertos mais conhecidos mas, pelo menos, à noite ( Grande Auditório , 21h) continua a poder ouvir-se, na íntegra, as grandes obras da música erudita. Para os melómanos mais refinados, uma boa alternativa à televisão!
Numa apreciação global ao formato e aos conteúdos da presente grelha nota-se que há um piscar de olho a ouvintes habitualmente arredios da Antena 2. A esse propósito não é alheia a introdução de noticiários de duas em duas horas. Ma não estou nada de acordo com esta medida, porque para ouvir notícias (ainda por cima repetidas) existe a Antena 1 cuja componente noticiosa foi reforçada para se tornar numa music news, conforme foi dito por Rui Pêgo, na entrevista ao DN. É caso para perguntar: já nem com a Antena 2 podemos contar para nos refugiarmos da poluição informativa? Mais informação não significa mais cultura, sobretudo se se trata da actualidade mais efémera e de menor relevância cultural. Um ponto negativo! Ainda relativamente ao formato, agrada-me haver mais espaços musicais de autor (modelo que gostaria de ver adoptado na Antena 1) e também uma maior preocupação didáctica. É igualmente louvável que esses espaços tenham horário fixo porque assim os ouvintes interessados num determinado programa já sabem a que hora ele passa o que favorece a criação de hábitos de escuta. Um ponto positivo!
Falando mais especificamente dos conteúdos, constato que há um maior peso das músicas fora da tradição erudita europeia. É de aplaudir que o jazz tenha agora mais destaque, com os programas Um Toque de Jazz, de Manuel Jorge Veloso (sábados e domingos, 14h) e Jazz com Brancas , de José Duarte (segunda a sexta, 20h). Mas as mudanças não ficam por aí: o programa Café Plaza (domingos, 07-10h), dedicado à música de pendor mais ligeiro, é disso um bom exemplo. Não é que esteja contra (até gostei de ouvir), mas continuo a achar que as músicas do 'Café Plaza' e também os blues e outras músicas de cariz mais popular fazem mais sentido na Antena 1. Aliás, elas já lá estiveram até há relativamente pouco tempo. Por que razão foram banidas? Presumivelmente, para passar a reinar a 'play list'.
Admito que a Antena 2 precisasse de alguns ajustamentos de modo a torná-la menos temática e mais ecléctica (a exemplo do canal 3 da BBC Radio), mas parece-me que há uma forma mais adequada e eficaz de conquistar novos públicos para o canal do que fazer cedências à facilidade. Do meu ponto de vista, incluir peças do repertório mais apelativo da música erudita (designadamente música barroca), em avulso ou em espaços específicos, na Antena 1 e Antena 3, animados por quem tenha experiência nesta área (José Atalaia, por exemplo), seria uma via bem mais recomendável. Bem sei que na Antena 1 já existe a rubrica Grandes Músicas de António Cartaxo, mas é muito pouco. E na Antena 3? O que tem sido feito para cativar os jovens e para os ajudar a perceber que nem toda a música clássica é aquela coisa chata e enfadonha?
Talvez com esta grelha a Antena 2 venha a conquistar alguns dos tradicionais ouvintes da Antena 1 que não se revêem na programação musical que vem sendo implementada. É provável que as audiências subam, mas haverá certamente a fuga de alguns melómanos mais exigentes e exclusivistas da música clássica. Talvez os ouvintes que venham a ser conquistados ultrapassem em número os que vão desertar, mas há uma questão que se impõe: não estará a Antena 2 a desempenhar agora uma parte do papel que caberia à Antena 1?
Nota: Estando a RTP e a RDP sob a alçada da mesma administração, e tendo a obsessão com as audiências sido abandonada na televisão, não entendo ela estar a ter a sua máxima expressão na rádio. Tal dever-se-á ao facto da rádio ter menos visibilidade e, como tal, ser descurada pelo poder político? Se alguém tiver uma explicação verosímil, faça o favor de ma dar.
Dos novos programas tive uma agradável surpresa: O Ouvido de Maxwell (quintas, 10h e 24h), da autoria António Almeida, um programa que requer um ouvido atento, daqueles que bebem todas as palavras e que foi um raro momento de beleza e de sortilégio pelo sábio encandeamento entre palavras que convidam à meditação e as peças musicais criteriosamente escolhidas. Espero que esta minha impressão se venha a confirmar nas próximas emissões.
Congratulo-me que o programa de Joel Costa, Questões de Moral (segundas, 10h ou 24h), continue porque é um programa de autor de referência da rádio portuguesa e, sem dúvida alguma, uma das mais valias do canal. Mas tenho a lamentar o horário nocturno ser muito adiantado. Uma hora antes já seria aceitável pois possibilitaria a sua audição por muitos interessados que tem de se levantar cedo no dia seguinte e que não o podem ouvir no período da manhã por razões profissionais. Lamento também a ausência de programas não musicais: ciência, informática, história, sociologia, ficção, teatro. Além da rubrica Os Sons Férteis (poesia e música) e do magazine de livros Escrita em Dia (que passa primeiro na Antena 1), o que há mais? Aliás, terem ido buscar o programa de Francisco José Viegas à Antena 1 evidencia bem a tentativa de disfarçar a penúria de espaços culturais na actual grelha.
O programa do horário de despertar – Amanhecer – que vinha sendo conduzido por João Almeida e Maria Augusta Gonçalves, era uma alternativa muito válida a quem não quer ouvir as estações de notícias ou as rádios de 'play list'. O programa continua em moldes semelhantes mas foi objecto de um notório desinvestimento ao ser entregue aos colaboradores mais novatos. Aos sábados de manhã continuamos a ter a Judite Lima, mas atendendo a que tanto o formato como o conteúdo do programa continuam a ser os mesmos não compreendo a mudança de nome de 'Jardim da Música' para Sarabanda . Influência do filme de Ingmar Bergman? 'Jardim da Música' parece-me um nome mais rico e poético e não me importava nada de continuar a ouvir o indicativo com o belíssimo adágio do concerto 'Inverno', de Vivaldi, com chilreios de pássaros em fundo. Bem sei que a Judite Lima (tal como eu) é uma grande cultora das suites para violoncelo de Bach, mas interrogo-me se não terá sido forçada a mudar o nome do programa. A ser verdade, é pena que a direcção não entenda que os nomes dos programas são património radiofónico e, por extensão, património cultural. Que interesse há em mudar o nome de um programa se ele continua igual?
Quando ouvi falar numa grelha para atrair novos públicos, confesso que fiquei receoso quanto à música clássica que iria constar na Antena 2. Até me ocorreu que em vez das obras integrais já não digo de Stockhausen, Pierre Boulez ou Emanuel Nunes mas, pelo menos, de Bach, Vivaldi, Haendel, Beethoven, Schubert, Mahler e Debussy passaríamos a ouvir sequências de trechos de fácil agrado do tipo Selecções do Readers Digest. Do que tenho ouvido notei haver uma preponderância de obras curtas e dos excertos mais conhecidos mas, pelo menos, à noite ( Grande Auditório , 21h) continua a poder ouvir-se, na íntegra, as grandes obras da música erudita. Para os melómanos mais refinados, uma boa alternativa à televisão!
Numa apreciação global ao formato e aos conteúdos da presente grelha nota-se que há um piscar de olho a ouvintes habitualmente arredios da Antena 2. A esse propósito não é alheia a introdução de noticiários de duas em duas horas. Ma não estou nada de acordo com esta medida, porque para ouvir notícias (ainda por cima repetidas) existe a Antena 1 cuja componente noticiosa foi reforçada para se tornar numa music news, conforme foi dito por Rui Pêgo, na entrevista ao DN. É caso para perguntar: já nem com a Antena 2 podemos contar para nos refugiarmos da poluição informativa? Mais informação não significa mais cultura, sobretudo se se trata da actualidade mais efémera e de menor relevância cultural. Um ponto negativo! Ainda relativamente ao formato, agrada-me haver mais espaços musicais de autor (modelo que gostaria de ver adoptado na Antena 1) e também uma maior preocupação didáctica. É igualmente louvável que esses espaços tenham horário fixo porque assim os ouvintes interessados num determinado programa já sabem a que hora ele passa o que favorece a criação de hábitos de escuta. Um ponto positivo!
Falando mais especificamente dos conteúdos, constato que há um maior peso das músicas fora da tradição erudita europeia. É de aplaudir que o jazz tenha agora mais destaque, com os programas Um Toque de Jazz, de Manuel Jorge Veloso (sábados e domingos, 14h) e Jazz com Brancas , de José Duarte (segunda a sexta, 20h). Mas as mudanças não ficam por aí: o programa Café Plaza (domingos, 07-10h), dedicado à música de pendor mais ligeiro, é disso um bom exemplo. Não é que esteja contra (até gostei de ouvir), mas continuo a achar que as músicas do 'Café Plaza' e também os blues e outras músicas de cariz mais popular fazem mais sentido na Antena 1. Aliás, elas já lá estiveram até há relativamente pouco tempo. Por que razão foram banidas? Presumivelmente, para passar a reinar a 'play list'.
Admito que a Antena 2 precisasse de alguns ajustamentos de modo a torná-la menos temática e mais ecléctica (a exemplo do canal 3 da BBC Radio), mas parece-me que há uma forma mais adequada e eficaz de conquistar novos públicos para o canal do que fazer cedências à facilidade. Do meu ponto de vista, incluir peças do repertório mais apelativo da música erudita (designadamente música barroca), em avulso ou em espaços específicos, na Antena 1 e Antena 3, animados por quem tenha experiência nesta área (José Atalaia, por exemplo), seria uma via bem mais recomendável. Bem sei que na Antena 1 já existe a rubrica Grandes Músicas de António Cartaxo, mas é muito pouco. E na Antena 3? O que tem sido feito para cativar os jovens e para os ajudar a perceber que nem toda a música clássica é aquela coisa chata e enfadonha?
Talvez com esta grelha a Antena 2 venha a conquistar alguns dos tradicionais ouvintes da Antena 1 que não se revêem na programação musical que vem sendo implementada. É provável que as audiências subam, mas haverá certamente a fuga de alguns melómanos mais exigentes e exclusivistas da música clássica. Talvez os ouvintes que venham a ser conquistados ultrapassem em número os que vão desertar, mas há uma questão que se impõe: não estará a Antena 2 a desempenhar agora uma parte do papel que caberia à Antena 1?
Nota: Estando a RTP e a RDP sob a alçada da mesma administração, e tendo a obsessão com as audiências sido abandonada na televisão, não entendo ela estar a ter a sua máxima expressão na rádio. Tal dever-se-á ao facto da rádio ter menos visibilidade e, como tal, ser descurada pelo poder político? Se alguém tiver uma explicação verosímil, faça o favor de ma dar.
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