quinta-feira, agosto 31

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Publicada em 30-08-2006

Campanha eleitoral como enganação

Leonardo Boff /

Quem escuta o que dizem e mostram os candidatos na televisão tem que fechar os olhos e se perguntar: em que país essa gente de fato vive? É um Brasil tirado da Utopia de Thomas Morus: haverá altos níveis de crescimento, inclusão social, redistribuição da riqueza, reforma agrária completa, superação da violência endêmica, revolução educacional e por ai vai. Este cenário é um embuste e não tem nada a ver com o Brasil real, carente de toda ética, com um povo cada vez mais cansado de promessas não cumpridas, refém de uma classe política atrasada e irremediavelmente drogada em corrupção.

Como sair desta situação permanente de crise? Não sei mas desconfio. O que sei é a severa advertência de nosso economista-humanista, Celso Furtado, em seu livro "Brasil: a construção interrompida"(1992):"O tempo histórico se acelera e a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação".

Desde o momento em que a economia colonizou a política e a submeteu à sua lógica de acumulação a qualquer custo, social e ambiental, criando uma profunda discrepância entre a racionalidade dos mercados e o interesse social, se interrompeu a constução de um pais com futuro para o seu povo. Dentro do quadro atual da política e da forma como o Estado se organizou, dando centralidade ao Banco Central e às agências reguladoras que mantém manietadas as mãos do Executivo, não há salvação para o Brasil. Quem detém o poder real é o sistema financeiro e seus órgãos de atuação. A fala do Presidente se esvaziou. O que conta mesmo e todos ficam à espera e atentos são as decisões do Banco Central e do COPOM.

Assim é também nos EUA. Bush pode dizer as muitas bobagens que diz, geralmente, num inglês muito ruim, e não conta muito. Mas quando fala o Presidente do FED a nação e o mundo, páram: é ele que decide os destinos da economia, os níveis de juros, o aumento ou a diminuição da dívida externa de todos os paises. A ser isso verdade, nem deveríamos eleger um presidente, mas um presidente do Banco Central. Não é ele que, de fato, decide? Ou então obrigar o candidato à Presidência, já em sua campanha, dizer quem vai ocupar o cargo de Presidente do Branco Central. Ai sim o voto popular contaria e saberíamos, mais ou menos, os rumos do pais.

O que nos falta para sairmos da crise? Celso Furtado nos dá uma sugestão no livro acima citado:"falta-nos a experiência de provas cruciais como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a ser ameaçada". Qual seria nossa prova crucial? Tiremos o exemplo de nosso pais vizinho, a Argentina. Seu Presidente Kirchner não disse ao sistema financeiro mundial e ao Presidente Bush:"não vou pagar a dívida". Seria negar o sistema em sua essência o que o alijaria do mundo. Mas inteligentemente disse: "vou pagar a dívida; mas para cada dolar, pago apenas dez centavos". E não retirou a palavra. E todos, mesmo recalcitrando, tiveram que aceitar. Ele enfrentou a prova crucial e passou. Hoje a Argentina cresce três vezes mais que o Brasil.

Por que nosso futuro Presidente não enfrenta a mesma prova crucial face aos rentistas nacionais? Liberaria fundos para um crescimento real para o povo. Essa seria a verdadeira política que colocaria a economia a serviço do bem comum.

* Leonardo Boff é teólogo, autor dos livros "Que Brasil queremos?", "Paixão de Cristo-paixão do mundo" e "A água e a galinha".

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