CRÓNICA PUBLICADA NO PRIMEIRO DE JANEIRO
Crónica publicada no Jornal O Primeiro de Janeiro, da autoria de Joaquim Armindo, em 16/1/2007
MOSCADEIRO
O DIREITO À INDIGNAÇÃO
Muito se discute sobre qual a real dimensão da democracia. Uns mais puritanos, e defensores dos seus lugares, adquiridos a troco de favores, defendem que a democracia deve ser representativa, que os legítimos detentores da opinião dos cidadãos são aqueles que eleitos por mandatos, pensando pela sua própria cabeça, gerem a vida colectiva; outros, dizem que não, pois só a intervenção das cidadãs e dos cidadãos, de forma participativa conferem a legitimidade à acção daqueles que são eleitos. Como socialista só me revejo nestes últimos, pois é na capacidade interventiva e fiscalizadora dos eleitos se pode, em cada momento, inferir do posicionamento informado daqueles que são a sociedade. Por isso não só o diálogo, entre eleitos e eleitores deve ser incrementado, como a escuta dos anseios e expectativas deve ser activa e procriadora das decisões. Elegemos parlamentares para o Parlamento Europeu, depois nada sabemos das suas condutas. Elegemos parlamentares para a nossa Assembleia da República, e depois eles não andam por aí. Elegemos deputados municipais e de freguesia, e depois nada sabemos das suas reuniões e decisões, por nosso desinteresse, mas também porque as formas de conduta participativa se reduzem a zero. Valha-nos os movimentos de cidadãos, as forças vivas de cada localidade, os clubes e outras organizações para que a vontade popular seja expressa em muitos momentos. Mas, nem esta, normalmente, é escutada, e quando o é, a burocracia, tornada pura burrocracia, manda para as calendas as necessárias escutas, a que chamam de audiências, porque as agendas dos nossos eleitos estão “cheias” e não podem conter as legítimas vontades das organizações de base que configuram, e em muito, as do povo. E isto dá-se quando as organizações, muito poucas, se fazem ouvir, porque quanto àqueles sem voz, nem vez, esses são ignorados, e lembrados apenas nas generalidades das promessas do voto. Todos nós sentimos esta forma de actuação, e do desprezo com que somos escutados. Esta própria crónica, humilde na sua formulação, não será lida pelos senhores dos poderes e muito menos escutada, embora parta de quem já durante anos exerceu actividades de deputado. Talvez por seguir um modelo que desse à consciência o primado da acção, e à escuta das populações, o paradigma de guiar os seus passos, acabou irremediavelmente e inexplicavelmente, por ser excluído das listas do seu partido.
Mas o facto que hoje se conta é da incapacidade de uma empresa, onde o governo português tem uma palavra, colocar um plano de gestão que favorecesse as populações, porque ela tem obrigação de como serviço público, ser isso mesmo um serviço, especialmente para aqueles que são os mais desfavorecidos da sorte. Estou a falar dos STCP, e da ingovernabilidade e incompetência demonstrados, aquando das novas linhas traçadas, certamente durante meses, e, creio, ouvindo os utentes. Os recuos sucessivos da administração, e, mais concretamente, da sua presidente, vêm demonstrar à saciedade os erros cometidos. Que eles se comentam, compreende-se, porque ninguém está isento deles, agora que não se expliquem, isso não. É isso que fazem, não explicar, ceder às pressões de rua, e, vejam bem!, pateticamente, alguns deputados pelo distrito solicitam, agora!, diálogo. Estes senhores deputados eleitos por nós, só agora descobriram existir este problema no Grande Porto? Têm medo da democracia participativa? E ousam, pela voz do seu coordenador, questionar a legitimidade dos movimentos que apareceram em todos os lugares para dizerem não, um não indignado a tudo? Que paciência deveremos ter para ouvi-los!
E quando a Comissão de Trabalhadores e Sindicatos decretaram três dias de greve, por causa desta matéria, ouviram-nos, ou seriam mais arruaças de rua? E quando estes elementos, imbuídos de boa – fé, diziam à Administração da incorrecção de tais procedimentos, alguém os ouviu? Tudo começa aqui, senhores administradores e deputados da Nação. É preciso estar atento, e os senhores dos poderes não estiveram, eis o facto. As populações, essas que usam os autocarros para trabalharem, que entram às seis da manhã, e terão de ir a pé para os empregos, os mais idosos que terão de alugar táxis, com uma reforma miserável, esses não tiveram outro remédio, senão a indignação. Esta é uma arma democrática, que com ou sem polícia, é legitimada pelo querer saber das suas coisas, pelo viver colectivo. E bem hajam todas e todos aqueles que lhes deram corpo. Os transportes públicos devem possuir uma gestão inteligente, sem dúvida, mas voltada para o interesse colectivo. Nem tudo pode ser gerido em função dum “lucro”, que tem por objectivo défices de euros, quando se esquece que o verdadeiro défice se encontra nas vidas das pessoas. Parece não ser este querer que a Administração dos STCP querem, mas outro, o de mostrar trabalho aos “patrões”, esquecendo-se, não ingenuamente, que utentes, clientes ou patrões, somos nós, as populações, que pagam os bilhetes e os impostos para que tudo funcione ao serviço, palavra tão mal compreendida, ou que até nem conhecem.
A indignação demonstrada, agora duma forma organizada, deve ser continuada, pois está visto, pelas cedências, não existe outro caminho que os STCP entendam. Cabe, porém, uma palavra de acção à Comissão de Trabalhadores, que nunca poderá ficar passiva nesta contenda. O direito à indignação é justo, sobretudo quando a participação e o diálogo foram colocadas de fora, pelas decisões precipitadas de quem detém os poderes.
Joaquim Armindo
Membro da Comissão Política do PS da Maia
http://www.bemcomum.blogspot.com
Escreve esta coluna quinzenalmente.
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