OS FANTASMAS DA VERDADE - ARTIGO DE CARRILHO NO "PÚBLICO"
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Partido Socialista prepara o seu congresso e a eleição, por sufrágio directo de todos os seus militantes, de um novo secretário-geral. Para quem pense que do congresso deve sair um novo projecto político a apresentar ao país, capaz de corrigir os erros do passado, de potenciar o muito que de bom se fez quando esteve no Governo e de inovar onde não tem havido ideias ou respostas, este período é decisivo.
Como também é decisivo para quem pense que, no que se refere ao novo secretário-geral, estas eleições servem, não para estender uma passadeira vermelha aos pés da ambição pessoal deste ou daquele militante por este ou para aquele cargo, mas para que o partido escolha alguém com capacidade para o servir em todas as circunstâncias - que, em política, como se sabe e bem se tem visto, são em geral muito imprevisíveis.
Se é disto que se trata, o debate entre os candidatos e os seus projectos é vital - e deve ser tão frontal como fraterno, tão exigente como generoso. É por isso deplorável a reiterada recusa de José Sócrates em fazer debates a dois com os outros candidatos, dando assim escusadamente razão a quem o acusa de só o fazer no modelo... "Dupont e Dupond"!
Neste contexto, é com prazer que respondo ao texto do Arons de Carvalho "Por um congresso sem fantasmas" (PÚBLICO, 22-08-04), e fá-lo-ei com a mesma exigência de verdade que pus no meu texto "A estratégia da alface", e que, pelo que agora verifiquei, Arons teve alguma dificuldade em compreender, amalgamando situações que nada têm a ver umas com as outras, a não ser no facto de se tratar de situações em que, como se sabe, o tempo fustigou os conformistas e me deu tanta razão... coisa que, esperemos, não se repita agora uma vez mais!
Devo contudo ao artigo de Arons de Carvalho ter-me ajudado a, num relance, decifrar um ponto determinante - trata-se de alguns problemas que a candidatura de José Sócrates tem com a verdade.
Passo a explicar: a reacção desta candidatura às múltiplas críticas que tem suscitado é, em geral, sempre do mesmo tipo. Procura-se iludir a duplicidade e o calculismo da sua longa e quase secreta preparação, pretende-se negar o ilegítimo aparelhismo da sua organização, tenta-se disfarçar o conformismo das suas propostas - e tudo isto se faz invocando o "fantástico" currículo do candidato. É isto, mais uma vez, o que Arons faz no seu texto, ao lembrar o "seu passado em matérias como o ambiente e a defesa do consumidor", etc.
Ora, quanto a isto, vale a pena fazer duas observações: uma, quanto ao que se apropria indevidamente, outra, quanto ao que omite deliberadamente. Ambos os pontos são, como veremos, reveladores de graves problemas com a verdade.
Quanto às apropriações: tem-se apresentado Sócrates como "o" ministro do Ambiente dos seis anos da governação socialista, a quem se deve praticamente tudo o que se fez no sector. Ora acontece, convém lembrá-lo por ser esta a verdade - e uma verdade que tem vindo a ser sistemática e intencionalmente deturpada -, que a tutela do Ambiente durante todo o primeiro Governo socialista (portanto, durante quatro anos) esteve nas mãos de Elisa Ferreira, a quem se deve o essencial do que a candidatura Sócrates anda agora a reclamar: a definição e o lançamento da estratégia da co-incineração, o fecho da quase totalidade das mais de 300 lixeiras que havia no país, mais que a duplicação da cobertura nacional do tratamento de esgotos, além de outras "pequenas" coisas como a definição da estratégia para a Cimeira de Quioto, a assinatura da Convenção das Águas com Espanha, a criação do Parque Natural do Douro internacional, o lançamento dos planos de bacia dos grandes rios internacionais, a criação dos grandes sistemas de abastecimento de águas (Águas do Douro e Paiva, Águas do Cávado, Águas do Algarve, etc.), o lançamento de todos os planos de ordenamento da orla costeira... e fiquemos por aqui.
Ninguém ignora o Polis, as facturas detalhadas ou o combate à droga, que José Sócrates ostenta, e bem, no seu currículo. Mas o modo como se tem expropriado Elisa Ferreira do seu notável mandato no Ministério do Ambiente entre 95 e 99 releva de uma torpe campanha de propaganda que nenhum socialista bem formado pode aceitar. Não direi que lembre Estaline a apagar Trotsky da fotografia, mas evoca sem dúvida Paulo Portas a apagar Freitas do Amaral da história do CDS/PP... num como noutro caso, trata-se de inaceitáveis falsificações da história para indevido proveito de alguém.
Quanto às omissões: para quem tantas vezes fala de si, é significativo o total silêncio sobre as responsabilidades que José Sócrates teve como ministro da tutela do audiovisual, isto é - entre muitas outras coisas -, da RTP, entre 1997 e 1999, justamente no período do maior colapso estratégico e financeiro da estação pública de televisão, com as tremendas consequências que ainda todos temos na memória.
É certo que este colapso convinha a quem defendia então (com argumentos neoliberais de fazer inveja a Morais Sarmento) a pura e simples extinção do serviço público de televisão. Ideia que só não avançou porque António Guterres foi felizmente mais sensível a outros argumentos e se manteve fiel à tradição e aos compromissos do PS! E também é certo que Arons de Carvalho foi o silencioso diácono de Sócrates durante todo este período. Como tal, não deixará - estou certo - de reconhecer que fica mal, num currículo tão cuidado, uma tão estranha omissão.
Tudo pode acontecer, mas seria grave que o PS pudesse um dia ser conduzido por alguém que anda por aí com um currículo em parte surripiado, em parte escondido! - são estes os "fantasmas" que, compreensivelmente, Arons de Carvalho teme que rondem o próximo congresso socialista.
Deputado do PS / Apoiante de Manuel Alegre
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