sexta-feira, fevereiro 23

CRÓNICA PUBLICADA NO JORNAL PRIMEIRA MÃO

Crónica publicada no Jornal Primeira Mão, em 16 de Fevereiro de 2007

UMA LEITURA DO REFERENDO


A participação das portuguesas e dos portugueses directamente nas decisões que se tomam é um bom princípio, embora neste caso muito difícil, porque se trata de uma questão de consciência, e não seja tratável por um simples SIM ou NÃO. A discussão que se gerou em torno da matéria do aborto, também não continha a necessária substância para este referendo, dado não ter sido esclarecedora em toda a sua latitude. Nós enquanto cidadãos, também, estamos habituados, a que poucos, os eleitos, decidam tudo por nós, e, francamente, colocamos ao colo dos políticos as nossas expectativas, e muitas vezes andamos mesmo com eles ao colo. Daí, que os problemas do nosso quotidiano não sejam a coisa pública, mas os nossos, e até legítimos, interesses particulares, ou a melhor maneira de ludibriar os parceiros, no intuito de “nos safar”. Não cultivamos muito, e podemos estar atentos às assembleias municipais ou reuniões camarárias, o ver a verdade dos factos; a ideia de que a participação activa, é a melhor forma de tornarmos a sociedade, e a humanidade, mais visceralmente unida ao pressuposto interventivo. E aí entronca a participação omissa, nas decisões colectivas. O futuro pertence à humanidade, ou á sociedade particular, neste caso a maiata, é um conjunto de indivíduos, que a partir da diversidade, promovem a unidade, como o grande insigne e filosofo bracarense, Padre Fragata, se referia à teoria do uno e do múltiplo. Onde a multiplicidade de seres, se resumia a um mesmo tempo á necessidade do uno; mas estas questões são particularmente necessárias aflorar num confronto de ideias, que possuem como substantividade uma cultura forjada no querer do desenvolvimento holístico, não é ainda o pulsar da cidade portuguesa.

Tudo isto para uma leitura do referendo, que domingo passado observamos. Tudo feito por uma campanha, apesar dos excessos, como chamar assassinos aos outros que não pensam como nós, decorreu muito melhor que todas as outras. Independentemente da nossa posição de sim ou não, e como sabem o meu foi sim, existiu uma desfocalização no problema em causa, e a própria pergunta sugeria um afastamento da realidade complexa do que é o aborto. Tudo se situou, para uns num atentado à vida humana, para outros numa menorização do que estava em causa, propondo a prisão ou não da mulher. Mas de facto, a pergunta, era mesma esta, quem está a favor de que uma mulher aborte e vá presa, ou não. Ora, esta forma de proceder é simplista, não vai ao fundo da questão, de porque é gerado o aborto, pela necessidade de uma mulher recorrer a ele. Nós estamos fechados numa sociedade amoralista, amorfa nos princípios, e fazedora dos abortos. Ninguém é a favor do aborto, como referia Frei Bento Domingues, só o todo de nós, a grande família universal, das mulheres e dos homens, embora sejam contra o aborto, promovem-no, pela incapacidade de gerar o amor, a vida. Sei que é muito fácil atirar para a sociedade o mal de tudo, e refugiarmo-nos nisso, mas é um facto que só ela, em si, gera o fatalismo, a ignorância, e pior a falta de valores, traduzíveis numa incapacidade de doar amor, de o ser, possuir e proclamar. Não foi aqui que se focalizou toda a discussão, mas nos anátemas da criação de estereótipos e de esquemas, para uma vontade de triunfar, normalmente arreigada a organizações, sejam elas políticas ou religiosas. Não tenho temor de confessar que a questão é da falta da globalização do amor, em detrimento do caos determinista do egoísmo, fundado na lógica numérica dos euros. Também é assim com a prostituição, quer seja uma profissão, quer aquela que a mulher casada é forçada, pelo nível cultural e económico, a manter com o seu marido, sem que o prazer da relação seja factual, mas subordinado a ditames ditos morais, económicos ou de obediência. Toda esta problemática não foi tida na campanha, infelizmente afirmo. E quem tentasse ir por aí, seria tido por intromissão desviativa do que estava em discussão. Mas é aqui o âmago do problema!

Ganhou o SIM, mas não vinculativo, isto é, segundo as nossas leis não tem força pelo querer do povo. Se num primeiro e segundo momentos discuti a tese da participação e da focalização, não deixaria, agora, de apreciar o comportamento político e as suas consequências. Com o SIM dado por adquirido, mesmo com o estigma da democracia participativa quase não se fazer sentir, não coloco dúvidas que o poder político sai fortalecido, requerendo uma maior vigilância sobre os actos da governação. Apesar de neste referendo estar em causa uma questão de consciência, dá-se uma inversão nas perdas consecutivas de José Sócrates, as autárquicas e as presidenciais, mesmo sabendo que a esquerda e a direita, ora votaram sim, ora não, porque a questão é transversal. Mas serve para apresentar um governo e um partido ganhador, em que o povo português mais uma vez confiou. Na política é assim, não podemos desligar as coisas, convém juntar as peças. Se ganhasse o NÃO, então as ilações seriam contrárias.

Espera-se que os votantes do SIM, eu incluído, saibamos ser contra o aborto, pelo amor, focalizando a questão nos princípios fundamentais e, sobretudo, dando alento a uma política inovadora que favoreça os nascimentos, numa humanidade mais justa e solidária.

Joaquim Armindo

Membro da Comissão Política do PS da Maia

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial